Filme do Dia: Onoda - 10 Mil Noites na Selva (2021), Arthur Harari
Onoda – 10 Mil
Noites na Selva (Onoda, 10 000 Nuits dans la Jungle,
França/Japão/Alemanha/Bélgica/Itália/Camboja, 2021). Direção Arthur Harari.
Rot. Original Arthur Harari, Vincent Poymiro & Bernard Cendron. Fotografia
Tom Harari. Música Sebastiano De Gennaro, Enrico Gabrielli, Olivier Marguerit,
Andrea Poggio & Gak Sato. Montagem Laurent Sénéchal. Dir. de arte Brigitte
Brassart. Figurinos Catherine Marchand & Patricia Saive. Com Yûya Endô,
Kanji Tsuda, Yûya Matsuura, Tetsuya Chiba, Shinsuke Kato, Kai Inowaki, Issei
Ogata, Taiga Nakano.
Profundamente
frustrado por não ter sido engajado como piloto durante a Segunda Guerra, o
soldado Hiroo Onoda (Endô quando jovem, Tsuda quando velho) se embrenha na ilha
de Lubang, em meio às selvas filipinas,
após se destacar do grupo mais amplo ao qual fazia parte. Quem faz a divisão em
dois pelotões é o próprio Onoda, acreditando contar com os mais dispostos e
resolutos, por inspiração de uma escola de formação secreta, e sobretudo as
idiossincrasias do Major Yoshimi Taniguchi (Ogata). Pouco depois, no entanto,
os gêmeos de Mito fogem e são encontrados mortos em seguida. Ficam apenas mais
três com Onoda. Quanto mais tempo passa, mais teorias são formuladas para
justificarem sua sobrevivência em condições instáveis, tendo muitas vezes que
se defrontar com moradores locais, entrarem em confronto com eles e até os
matarem, para terem acesso a víveres como arroz. Um deles, o mais jovem e
sensível, sempre possui laivos de abandonar o grupo e, após testemunhar o
assassinato de quem lhe era mais próximo, quando encontra uma oportunidade,
entrega-se a um grupo de apoio de japoneses no local, incluindo parentes de Onoda.
Este, no entanto, acredita ser uma armadilha. E o máximo que fazem é se
aproximar do acampamento e roubar uma série de revistas e um radinho a pilha.
Onoda afirma serem todas publicações falseando a realidade. No final dos anos 1960, com apenas os dois
restantes, sendo o outro Kozuka (Matsuura quando jovem, Chiba quando velho),
escutam emocionados a transmissão sobre a chegada do homem à Lua. Por fim,
Onoda testemunha o assassinato do companheiro de tantos anos, Kozuka, de perto,
mas consegue fugir. Tempos depois, em 1974, um turista jovem (Nakano) aproxima-se
de Onoda e, contando com ajuda de seu velho mentor, Taniguchi, faz com que ele
abandone a vida isolada na floresta.
Por mais que
sua duração e estilo não seja convidativo aos incautos, faz-se plenamente
necessário para construir uma temporalidade bastante própria, em que o flashback
se torna praticamente um adereço um tanto secundário, e cujo foco
primordial é na obsessão a guiar Onoda. Obsessão esta a bem servir de alegoria
para, em dimensão ampla e muito além do diretamente expresso pelo filme, a
própria vida humana, o que ainda o torna mais interessante. Não apenas por
ressaltar, quase como em um laboratório espontâneo, o desejo como uma força
motriz que pode se voltar contra a própria realidade, mas por apresentar o
crescente isolamento com o avançar da idade – metáfora, nesse sentido,
evidentemente rompida a partir do momento da desistência do protagonista.
Porém, deixa-se qualquer tipo de elocubração do tipo, ou ainda as que dê crédito
a uma personalidade rígida, hierarquia militar ou o que seja por conta e risco
de seu espectador. De objetivo tem-se um personagem com evidentes problemas
psicológicos, uma relação problemática com a figura paterna e nenhum contato
sexual com quem quer que seja, observado acuado e no limite da razão bem antes
de conquistar poder de mando sobre outros homens. Tudo é mantido à certa
distância emocional, sem uma coloração humanista como a que poderia sugerir
algum vínculo com filmes como A Ilha Nua. É verdade que observamos Onoda ser repreendido por
seus superiores por suas ordens incomuns, mas não se constrói nenhum senso
moral sobre suas construções paranoides, no limite motivadoras de assassinatos
desnecessários, como os de camponeses para terem acesso aos fornecimentos de
arroz ou da mulher a se refugiar na cabana da dupla restante quando ocorre uma
tempestade. Mesmo o efeito cômico, quase cartunesco, dos dois soldados saindo
armados de sua cabana isolada do mundo, semiagachados e pisando bastante de
leve no solo, para evitarem ruídos, como se estivessem sob risco de algum
pelotão inimigo, torna-se perfeitamente compreensível quando se tem o contexto
e uma quase proximidade com o ponto de vista de Onoda. Quando se rompe este
ponto de vista e ficamos, pela primeira vez, distantes de Onoda e com o jovem
que chega em sua busca, rompe-se igualmente a sustentação da bolha paranoide e,
desconstruída a fantasia, resta a Onoda chorar pelo tempo perdido – numa outra
alusão nada descabida em relação a perspectiva final de vida por qualquer ser
humano razoável. E se tais paralelos podem ser construídos é porque, ao abdicar
do humanismo fácil, pode-se deslocar tais procedimentos tidos como insanos para
os ditos sãos, demonstrando ser uma distinção de grau e não de categoria. |Pandora Filmproduktion/Frakas Prod./Ascent
Film/Rai Cinema/Anti-Archive/Arte France Cinéma/Asahi
Shimbun/Chipangu/Proximus. 173 minutos.
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