Filme do Dia: Uma Aventura aos 40 (1947), Silveira Sampaio
Uma Aventura
aos 40 (Brasil, 1947). Direção e Rot. Original Silveira Sampaio.
Fotografia Antonio Leal & Lucien Mellinger. Montagem Sérgio Vasconcelos.
Com Silveira Sampaio, Aída Carmen, Flávio Cordeiro, Ana Lúcia, Nilza Soutin,
Sérgio Vasconcelos.
1975.
Carlos (Sampaio) escute um programa de TV sobre sua biografia. E passa a
corrigir diversos detalhes que considera equivocados do apresentador do mesmo.
Sobre sua meninice, longe de exemplar, embora tenta tentado ser uma
criança-prodígio no violino, e sobre a escolha profissional, sob pressão do
pai, tendo vontade de honestamente lhe dizer que preferia jogar bilhar e ir ao
cinema que qualquer outra coisa. Casa-se com Margarida. Ascende
profissionalmente na carreira de médico somente após adotar uma barba, como
todo os doutores do quadro da parede de sua casa. E a vida caminha, tornando-se
ele sobretudo um psiquiatra, e sendo quase alvo de um homem fugido da
instituição no qual trabalha. Em um atendimento a um paciente, acaba conhecendo
a jovem e simpática Jane, por quem passa a nutrir sentimentos cada vez mais
envolventes, começando a observar o mesmo mundo com outros olhos. Certo dia, no
entanto, sua esposa liga para casa e flagra uma conversa entre ele e Jane. E
quando este se encontra com Jane em um restaurante, Margarida chega ao local.
É mais que interessante se observar uma produção cômica que foge aos ditames da chanchada, então a praticamente monopolizar o gênero, pela diversidade um tanto excêntrica desta proposta. E louvar a sua sobrevivência ao tempo, mesmo sem se encontrar associada aos estúdios da época. Seu humor parece beber em fontes literárias e teatrais, buscando a reprodução de certa ironia machadiana, numa voz over autodepreciativa, que traz o elemento curioso desta antecipação do futuro, apresentando inclusive um receptor de TV, a três anos da primeira emissora surgir no país. Nem sempre o efeito cômico perseguido é conseguido, mas pode-se observar uma postura idiossincrática a postos. Antecipa, a seu modo, algo da irreverência do Cinema Marginal de duas décadas após, por exemplo, no uso de temas musicais triunfantes, associadas à conquistas, para a descrição de situações banais, embora um pouco demasiado insistententemente. O que não é incomum na comédia, é bastante autocentrado, e ao ponto de ser dominado do início ao final pela voz over, não delegando uma “independência” à narrativa e tendo os diálogos função secundária. Também são evocativas de excentricidades posteriores do Cinema Marginal, o momento no qual surge o alter-ego do protagonista, a lhe invocar a culpa por estar traindo a esposa e ele próprio se sentindo como um porco, seguido por um plano do animal. Noutro momento, o desequilibrado que tenta assassinar Carlos sucumbe a um trauma de guerra, e da cena após o estampido da pistola passamos a imagens de arquivo de bombardeios durante a recém-finda Segunda Guerra. E são muito perspicazes algumas tiradas autorreflexivas, como a da censura ao episódio da triangulação amorosa em 1945, observada como provavelmente sem maiores problemas trinta anos após. Trata-se justamente da aventura ao qual o título se refere. E que Carlos postergará, somente contando a resolução – e resolução igualmente do filme – quando assumir a narrativa de sua vida na TV, algo mais coerente com o controle desta produção por ele mesmo, Silveira, ator, diretor, roteirista e produtor, um homem de teatro, escrita e cinema, sendo neste último sobretudo roteirista. |Cineastas Centauro/Silveira Sampaio Prod. Cinematográficas. 75 minutos.
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