Filme do Dia: O Intruso (1962), Roger Corman

 


O Intruso (The Intruder, EUA, 1962). Direção Roger Corman. Rot. Adaptado Charles Beaumont, a partir do próprio romance. Fotografia Taylor Byars. Música Herman Stein. Montagem Ronald Sinclair. Com William Shatner, Frank Maxwell, Beverly Lunsford, Robert Emhardt, Leo Gordon, Charles Barnes, Charles Beaumont, Katherine Smith, George Clayton-Jones, Walter Kurtz, Jeanne Cooper.

Adam Cramer (Shatner) se hospeda em um hotel na pequena cidade sulista de Kaxton. Ele afirma ter como emprego motivações sociais, e participar de uma fundação mas, na verdade, com o apoio de um importante figurão local, Verne (Emhardt), atiça os ânimos de uma população branca revoltada com a lei que assegura os direitos de um grupo de dez estudantes negros estudarem em uma escola antes exclusivamente branca. Além de se envolver com a filha do jornalista Tom McDaniel (Maxwell), Ella (Lunsford) e também com a mulher do vizinho de hotel Sam (Gordon), Vi (Cooper). As tensões se acirram, um padre negro é assassinado em um atentado contra uma igreja e Tom, agora tomando aberto partido da causa dos negros, e os acompanhando até a escola, é vítima de violência dos brancos radicais da cidade, que já haviam se aproximado violentamente de uma família negra em um carro após ouvirem o discurso inflamado de Cramer. Depois de observar o pai ferido no hospital, Ella escuta os conselhos de Cramer e prepara uma armadilha para o líder dos estudantes negros da escola, Joey Greene (Barnes), acusando-o de tê-la tentado estuprar. Um grupo grande de brancos vai até a escola e o diretor, Paton (Beaumont) chama o auxílio do xerife para proteger o garoto negro. Na liderança do grupo se encontra Cramer. Eles capturam Greene e o levam para humilhação pública, até serem interrompidos pela chegada de Sam, trazendo de reboque Ella, que confessa ter sido tudo mentira.

O comentário racista da recepcionista de hotel, sobre a falta de ânimo do marido, falando às vezes pensar ele possuir “sangue negro” nas veias, utilizando a palavra que se tornaria tabu, nigger, não é nada inocente ou gratuito, tendo em vista o tema abordado pelo filme. Duas características interessantes dele se anunciam antes de meia-hora transcorrida. A primeira é que traz um protagonista aparentemente contrário às leis de integração racial no sul dos Estados Unidos, indo na linha inversa dos filmes de mensagens liberais-humanistas de tantos realizadores a partir da década anterior, sendo seu representante mais fiel Stanley Kramer. Ou seja, o “mocinho” que vem de uma metrópole de referência, Los Angeles no caso, não se encontra para driblar ou amenizar as tensões sociais, mas para reforçá-las. A segunda diz respeito a não ficar preso a qualquer ponto de vista, possibilitando representações distintas, inclusive em termos raciais, dos acontecimentos e das tensões gestadas pela antecipação do que poderá ocorrer. E o fato de ser uma produção B, com modestos recursos e interpretações um tanto exageradas, faz com que também possua maior liberdade de tratar temas que somente viriam a ser enfrentados pelas produções maiores tempos depois, e mesmo assim de forma muito menos direta (No Calor da Noite, Adivinhe Quem Vem para Jantar), por mais oportunista e sensacionalista que o seja, advindo de um produtor-diretor atirando para todos os lados onde achasse que conseguiria lucro – filmes de terror, filmes de monstros, sobre a juventude motoqueira e drogada, etc. A construção do tipo de extrema-direita vivido por Shatner é bastante crível, remetendo ao de lideranças anteriores e posteriores, ao não praticar atos diretamente de violência mas, através de seu discurso de ódio, indiretamente ser responsável pelos mesmos. Antes de Marlon Brando em Caçada Humana, o xerife aqui é vítima já da truculência conservadora branca, sendo esmurrado como aquele – embora no filme de Penn, lançado quatros anos após, o tema racial seja um dentre vários e o xerife lá não perca um olho. E por mais que a liderança ainda não seja vivida por algum negro por si mesmo, sendo esta opção demasiado radical para a época na qual o maior ator negro em atividade, Sidney Poitier, vivenciava papéis de longe menos diretamente envolvidos com a luta pelos direitos civis da população negra. E a absoluta irrelevância, em termos dramáticos, da morte do padre negro no atentado, prova-o, mesmo tendo servido provavelmente como divisor de águas na posição do xerife de Frank Maxwell, ator que posteriormente seguiria uma carreira fiel a televisão, atesta-o. Maxwell está excelente, assim como Shatner, de longe mais conhecido pela popular série de TV Jornada nas Estrelas. Porém, o filme traz um atestado de mudanças sociais muito além dos limites possíveis de serem expressos nos diálogos de obras magistrais como Vidas Amargas, como as ditas (“cale está boca fedorenta, seu sujo”) contra o avô, o ator de limitações mais evidentes e postura mais caricata dentre todos os possuidores de uma mínima relevância. O diretor da escola é vivido pelo autor do romance e adaptação. Dentro um quadro tão afiado, desnecessário dizer que a resolução final é banalmente esquemática, com o desmascaramento de Adam como mentiroso o suficiente para imediatamente perder o apoio da população, como se a crença em algo não possuísse motivações mais profundas ou difusas que a própria razão desconhece. E, de quebra, tornando Cramer o bode expiatório  dos ódios persistentes de toda uma comunidade, por sua loucura, ao qual não faz questão de esconder, como é típico em tais situações. Quanto ao patriarca rico, poderoso e branco que pode estapear quem bem ele entender, negro ou branco, terá de esperar por No Calor da Noite, para receber o revide do negro. |Los Altos Prod./Roger Corman Prod. para Pathé-America Distribuiting Co. 82 minutos.

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