Filme do Dia: Jia Zhang-ke, um Homem de Fenyang (2014), Walter Salles
Jia Zhang-ke, um Homem de Fenyang
(Brasil/França, 2014). Direção: Walter Salles. Rot. Original: Walter Salles & Jean-Michel
Frodon. Fotografia: Inti Briones. Montagem:
Joana Collier.
A relação entre indivíduo e sociedade
não poderia faltar nesse documentário que acompanha o retorno de Zhang-ke à sua
província natal, e é expressa de forma paradoxal, com o realizador, a
determinado momento, comentando o quanto lhe tocava canções que falavam do “eu”
e não o opressivo e massacrante “nós”, impositivo da cultura maoísta em que foi
criado, quando escutava clandestinamente uma rádio de Taiwan, enquanto o ator
principal de Plataforma afirma
gostar muito mais desse filme, que retrata o espírito coletivo da juventude de
sua época que de Artesão Pickpocket,
que observa algo similar da perspectiva de um indivíduo. O filme possui algumas
boutades visuais, como o realizador
afirmando o quão importante fora sair da China para ter uma compreensão de sua
região e do próprio país, das relações entre as pessoas, de sua pobreza e fala
de cidades como Pequim. Nova York ou Paris, sendo que a sequencia seguinte se
inicia com ele ao lado da Torre Eiffel, só que a réplica gigante do monumento
no parque temático que se tornou cenário principal de seu O Mundo. Embora inicialmente se tenha a impressão que a obra de
Zhang-ke seja talvez auto-centrada e edipiana, com suas referências às figuras
materna e paterna, seria demasiado reducionista pensar assim, quando se observa
ele se deslocando para o passado não dele, mas de sua atriz (e companheira)
Zhao Tao, em O Mundo ou andando por
locais que muito brevemente seriam destruídos, transferindo essa relação
pessoal em relação a sua Fenyang – e o que filmou dela que logo seria demolido
em Plataforma – para usinas que
deslocaram milhões de pessoas em seu documentário Dong. E se Zhao Tao demonstra a tristeza de ter reencontrado
algumas de suas ex-companheiras no parque temático quando lá foram filmar, sete
anos após ela própria ter trabalhado e
vivido no local, Zhang-ke se indaga onda andariam os extras da cena inicial de Plataforma ou demonstra o espanto e os
sentimentos misturados que se seguiram ao saber que esse filme, proibido de ser
exibido nas salas de cinema chinesas, estava sendo comercializado através de
DVDs piratas, em boa parte, admite, responsáveis pelo reconhecimento da obra do
realizador no país. Sua vinculação com o local de filmagem faz se apoderar não
apenas dos espaços físicos, como habitualmente ocorre no cinema dramático, mas
dos próprios móveis existentes, como ele demonstra ao entrar em uma casa simples que
havia sido cenário de Um Toque de Pecado,
com o mesmo armário em que o personagem do filme escondia seu rifle. Distante
do maniqueísmo, o que se percebe é um olhar crítico do realizador tanto para os
tempos do comunismo castrador das individualidades quanto do capitalismo
desenfreado, provocando ódios, cisões e deslocamentos entre os indivíduos, algo
que o próprio realizador formulará próximo ao final. Ou seja, os sonhos de um
mundo diferente, a utopia sonhada pelos jovens de Plataforma se transforma na bruta distopia de Um Toque de Pecado, com sua violência gore evocativa de
Tarantino. Além de Zhang-ke e Thao, o filme conta com depoimentos de outros
colaboradores seus e apresenta um momento em que o realizador fala diante de
uma plateia de estudantes em um auditório, assim como flagra ele com a mãe e a
tia, e a primeira, muito tipicamente, recorda algo dele quando criança. Em
outro momento, surpreendente pela espontaneidade, uma velha senhora que o vira
desde pequeno, indaga se já possui filhos e quando esse afirma que não, ela se
espanta pois ele já possui 40 anos.
Salles, abdica de qualquer sugestão de traço seu conduzindo as
entrevistas e de Frodon, co-roteirista e co-idealizador do projeto, não vemos
mais que seu reflexo na janela do trem, ao lado de Zhang-ke. Dedicado a Leon
Cakoff. Videofilmse/MK2. 105 minutos.
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