Filme do Dia: Sem Novidades no Front (1930), Lewis Milestone

 


Sem Novidades no Front (All Quiet on the Western Front, EUA, 1930). Direção:  Lewis Milestone. Rot. Adaptado: George Abbott, Del Andrews, Maxwell Anderson & Walter Anthony baseado no romance de Erich Maria Remarque. Fotografia: Arthur Edeson &  Karl Freund. Música: David Broekman, Sam Perry & Heinz Roemheld. Montagem: Edgar Adams, Edward L. Cahn &  Milton Carruth. Dir. de arte: Charles D. Hall & William R. Schmidt. Com: Lew Ayres, Louis Wolheim, John Wray, Slim Summerville, Ben Alexander, William Bakewell, Russell Gleason, Walter Rogers, Beryl Mercer.

Paul Baumer (Ayres) se entusiasma, como os outros alunos de sua classe, com a defesa apaixonada do alistamento militar proferido pelo professor. Juntamente com todos de sua turma resolve alistar-se, para o desespero da mãe (Mercer) e a felicidade do pai. Passam antes por um rápido treinamento sob o comando do sargento Himmelstoss (Wray), conhecido de todos como carteiro, mas que não deixa que o fato de ser conhecido de quase todos obscureça a disciplina rígida da caserna. Porém logo a realidade demonstrará ser muito mais cruel quando eles se transferem para o campo de batalha. Seguindo os passos do veterano Katczinsky (Wolheim), mais conhecido como Kat, sofrem com o primeiro bombardeio, onde perdem o amigo Behm (Rogers) e se desesperam com os sofrimentos que são postos à prova no front ilhado por bombardeios, ratos e falta de alimentos, que acaba provocando a loucura de Kammerick (Alexander), que num acesso sai do front e é ferido gravemente. Após um um raro e lauto banquete, decidem visitar Kammerick, que se encontra com a perna amputada. Baumer é testemunha de sua morte e leva suas botas para um amigo que as cobiçava e pouco se importa com a narrativa que ele faz da morte de Kammerick. Baumer sente-se traumatizado após ter assassinado pela primeira vez um soldado inimigo. Algum tempo depois é dispensado por um ferimento no quadril. Retorna para a casa, mas não mais se sente ajustado à vida civil. Discursa pessimista na mesma escola e recebe vaias dos alunos e é criticado pelo mesmo professor que os incentivara a se alistar. Não recebe como má notícia a volta ao front, onde reencontrará Kat, que logo morrerá em seus braços sendo ele, já sem nenhum motivo aparente para viver, morto pouco depois.

Essa superprodução da Universal pode ser considerada pelo inusitado de sua proposta como um marco duradouro na história do cinema. Enquanto por um lado praticamente configura o gênero dos filmes de guerra, por outro é o estranho produto de uma adaptação do romance alemão para a língua inglesa que não esconde seu hibridismo, inclusive em termos estéticos – mais próximo da cinematografia alemã da época em seu estilo do que da americana. Em grande parte tal se deve aos momentos de virtuoso trabalho (não creditado) de câmera de Karl Freund, o mago dos filmes expressionistas da década anterior e profissional predileto de Murnau. Por outro lado, o russo Milestone não deixou de demonstrar sua dívida para com o compatriota Eisenstein, como na sequência inicial em que justapõe, através de uma dinâmica montagem, os rostos dos alunos da escola, contagiados pela vibração ufanista despertada pelo professor. Também em termos ideológicos o filme se apresenta como libelo pacifista, tendo uma célebre sequência em que um dos soldados ironiza, após se banquetearem com a comida em excesso, o quanto abstrato é o fato de “dois países” estarem guerreando. Ou ainda o momento em que Baumer acaba retornando a sala que estudara. Entre as sequências inesquecíveis encontram-se a que Baumer banha-se com três colegas no rio e acabam encontrando três garotas, indo visitá-las completamente despidos à noite, após improvisarem algo no qual se enrolarem,  a do diálogo nervoso entre Baumer e sua vítima, que morre com um sorriso nos lábios e a inicial, quando a efervescência bélica das ruas, entrevista pelas largas janelas, acaba contagiando a sala de aula. Mesmo que um certo esquematismo possa hoje soar ingênuo na forma como o filme descreve as etapas que levam a perda da inocência desse grupo de jovens estudantes, o resultado final, descontadas as cenas de um sentimentalismo mais aproximado das produções correntes da época – como a da separação entre mãe e filho, quando esse parte uma segunda  vez para o front (lembra, por exemplo,  O Cantor de Jazz) ou o reencontro com Kat logo seguido da morte deste, um dos últimos eixos de significado para a vida do protagonista – é inesperadamente tocante e ainda hoje provocativo. Da mesma forma, são espantosos os efeitos técnicos conseguidos e consequente  realismo das cenas de batalha. Ao se deter nas fraquezas, medos e ansiedades e na recusa dos clichês de heroísmo o filme pode ser considerado um antepassado de Além da Linha Vermelha (1998) e o oposto do militarismo e nacionalismo de O Resgate do Soldado Ryan (1998). Ayres conseguiu uma carismática interpretação como o protagonista/alter-ego de Remarque. Entre os nomes ilustres que participaram do projeto encontram-se o próprio chefe do estúdio Carl Laemmle Jr., como produtor, Robert Parrish  e o futuro cineasta Zinnemann (em pontas). É a mão do próprio Milestone que tenta alcançar a borboleta, no momento em que o protagonista morre. Várias versões foram lançadas ao longo do tempo, inclusive uma versão muda, uma que introduz uma alusão aos nazistas e outra com metragem diminuída e introdução de uma trilha nova. Recebeu o National Film Registry em 1990. Universal Pictures. 133 minutos.

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