Filme do Dia: A Primavera de uma Solteirona (1969), Ronald Neame

 


A Primavera de uma Solteirona (The Prime of Miss Jean Bodie, Reino Unido, 1969). Direção Ronald Neame. Rot. Adaptado Jay Presson Allen, baseada em sua peça, por sua vez baseada no romance de Muriel Sparke Fotografia Ted Moore. Música Rod McKuen. Montagem Norman Savage. Dir. de arte John Howell & Brian Herbert. Figurinos Joan Bridge & Elizabeth Haffenden  Com Maggie Smith, Robert Stephens, Pamela Franklin, Gordon Jackson, Celia Johnson, Diana Grayson, Jane Carr, Shirley Steedman.

Jean Bodie (Smith) é uma professora muito benquista por suas alunas, em Edimburgo, nos anos 1930. Jean teve uma relação com outro professor da mesma escola, o intempestivo Teddy Llloyd (Stephens),  atualmete flerta com outro, Gordon Lowther (Jackson), sempre possuindo uma resposta na ponta da língua quando interrogada pela diretora da escola,  a srta. McKay (Johnson). Jean também é fã confessa dos regimes totalitários de Franco e Mussolini, e compartilha tanto seu ardor com suas alunas que, uma delas, Mary McGregor (Carr), resolve se alistar nas fileiras franquistas da Guerra Civil Espanhola.

Talvez, como sua protagonista, não seja tão ousado quanto pretende. E, até mesmo o contrário, por trás de tanto ardor haja uma camada mais que  intensa de convencionalidade. No plano estético sem sombra de dúvida. Seja como for essa adaptação possui os belos olhos azuis de Maggie Smith, numa quase  encarnação das teorias de Susan Sontag a respeito de determinado culto estético se aproximar de simpatias (ou mesmo militância) fascista. É o caso da srta. Jean Bodie. Pensando o universo da sala de aula, também na Inglaterra por volta de sua época (de produção, não da ambiência ficcional) não é piegas e laudatória (e no segundo quesito o é o contemporâneo Adeus, Mr. Chips) quanto Ao Mestre, com Carinho, o mais próximo de referências da época de sua produção, nem anárquico e provocador quanto Se... (embora tenha uma cena de bullying que é uma suavização de cena similar daquele, um internato masculino). E, tal como a referência a ousada literatura, para sua época, de D.H. Lawrence, não por acaso retomada pelo cinema também à época com Mulheres Apaixonadas, o filme flerta diretamente com a questão da sexualidade, então em pauta emancipatória ao redor do mundo, mas de modo bastante diverso, já que envolve relações marcadamente assimétricas entre adultos e adolescentes, por mais que algumas adolescentes saiam em vantagem nesse jogo ocasionalmente. Está longe de ser um mero exercício de direção de arte, como boa parte da anêmica produção de Ivory. O foco aqui se encontra na relação entre os personagens. E, em uns poucos momentos, essa questão dos valores de produção ganha primeiro plano, como é o caso da corrida desembalada de Sandy pelas buliçosas ruas de  Londres para entregar o jornal que traz a notícia da morte de Mary McGregor para miss Bodie. Tampouco é um espetáculo assexuado e asséptico como os musicais de época para toda a família. E está longe de posições mais fáceis de captar a identificação irrestrita com qualquer dos personagens, com exceção de Sandy, já mais ao final. Se os personagens dos professores são observados sem maiores detalhes no filme de Lindsay Anderson ou são uma encarnação moral praticamente imaculada na figura de Sidney Poitier pu Peter O’Toole, aqui toda a energia e dedicação da mestra, sua liderança inconteste, gera efeitos negativos, e mesmo uma morte, dentre suas pupilas. Acoplado como está ao seu enviesamento ideológico fascista. E os mestres são também repletos de libido. Nem de longe é o que o cardápio habitual das produções custosas de qualquer período associam com seu personagem destacado. No seu terço final, no entanto, escorrega em uma quase didática vilanização da figura de Jean Brodie que não só a reduz ao rídiculo caricato, mas reduz a potência virtual do próprio filme de saber lidar com as contradições da alma humana. Em nenhum momento isso fica tão patente, e consequentemente patético, do que quando Sandy tem seu breve momento de má consciência, e indaga sobre qual será o futuro de sua ex-mestra. E aqui seria a hora e a vez que a personagem poderia se abrir para contradições que não ficassem restritas a falta de empatia que se espera de uma simpatizante do fascismo.  Infelizmente é exatamente o oposto do que ocorre. Pode-se lembrar que se trata de uma adaptação. E que os filmes, sobretudo quando grandes produções como essa, não costumam solapar suas fontes para posições mais controversas, antes o contrário. E um diferencial gritante do filme de Anderson é que, como quase sempre, tudo se resolve no plano pessoal. Excluída o bode expiatório, a mesma sequencia observada ao início  parece plenamente coesa e satisfatória somente agora, sendo justamente esses códigos sociais que são postos em questão pelo filme de Anderson. Duas notas de alento se seguem a essa crítica. Maggie Smith não apenas possui belos olhos azuis, mas consegue emprestar seu talento a essa personagem (pelo qual ganharia o único Oscar de sua categoria que viria a ser dividido) que recai em muitos dos estereótipos que seu título brasileiro, que equivocadamente poderia sugerir a diretora do colégio inicialmente, vai mais diretamente ao ponto. E há um certo sabor de vingança na cena final, quando é observado que nem mesmo Sandy conseguirá exorcizar a figura de Jean Bodie de sua vida.| Twentieth Century-Fox Prod. 116 minutos.

 

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