O Dicionário Biográfico de Cinema#167: Lev Kulechov



Lev Kulechov (1899-1970), n. Tambov, Rússia

1918: Proekt Inzhenera Praita [Engineer's Prite Project]. 1919: Pesn Lyubvi Nedopetaya (co-dirigido com Vitold Polonsky). 1920: Na Krasnom Frontye [On the Red Front]. 1924: Neobychainye Priklucheniya Mistera Vesta v Stranye Bolshevikov[As Extraordinárias Aventuas de Mr. West na Terra dos Bolcheviques]. 1925: Luch Smerti [O Raio da Morte]. 1926: Po Zakonu [Dura Lex]. 1927: Vasha Znakomaya; Parovoz No. B 100. 1929: Veselaya Kanareika; Dva-Buldi-Dva (co-dirigido com Nina Agadzhanova-Shutko). 1931: Sorok Serdets. 1933: Gortzont [Horizon]; Velikii Uteshitel [The Great Consoler]. 1940: Sibiryaki. 1941: Sluchai v Vulkanye. 1942: Klyatva Timura. 1944: My s Urala [We from the Urals]

Em algum lugar numa obra de referência, o autor deveria possuir uma vida protegida: não vi um filme sequer de Lev Kulechov. Nada da obra de Kulechov sobreviveu em qualquer formato; de meados dos anos 30 em diante caiu em desgraça na Rússia, condenado por sua própria confissão compulsória; diversos de seus filmes, feitos com material de segunda, são dificilmente vistos. No entanto, Kulechov possui seu lugar como teórico e também como diretor. Muita de sua vida foi consumida na educação de cinema, e nossos encontros aleatórios com seus livros, seus filmes, sua influência sobre outros diretores russos, e a história de sua vida sugere um homem bravo e imprevisível, e um diretor russo de rara originalidade.

Em sua juventude estudou pintura na Escola de Pintura, Arquitetura e Escultura, e foi apenas por artimanha do destino que conseguiu o emprego de cenógrafo para Evgeni Bauer. Isso aguçou seu apetite por direção: seu primeiro filme, Engineer Prite's Project, foi realizado nos primeiros meses da Revolução. Neste período de fervor analítico, criativo, Kulechov voltou-se à didática do cinema. Acima de tudo, foi atingido pelas implicações da montagem. Em Engineer Prite notou que o plano de um homem observando, seguido pelo plano de outra pessoa, um lugar ou um edifício, sugeriam que este homem estava olhando para esta pessoa ou lugar.

Em 1919, Kulechov ensinava na Escola Estatal de Cinema e conduzia seus famosos experimentos ampliando a teoria da montagem. Estes incluíam um plano de Mosjoukine, intercalado por planos de objetos de valores emocionais bastante distintos. Concluiu, com suficiência, que o rosto versátil se prestava a estes diferentes objetos, com igual facilidade. De fato, o rosto de Mosjoukine não possuía expressão, mas Kulechov rapidamente percebeu que a montagem era frequentemente mais poderosa que a expressividade humana, e que as platéias interpretavam as expressões faciais como se fossem codificadas. Isto relaciona Kulechov ao cinema de, dentre outros, Godard, onde se admite que o cinema nos ajuda a ver o quão distante interpretamos expressões e gestos. 

Kulechov também gostava de experimentos que uniam planos de pessoas em locais distantes. Considerou que, se a gramática ou dinâmica da montagem fosse fluente, então a relação espacial fílmica - chamou-a "paisagem artificial" ou "geografia criativa" - era mais importante que o espaço real. Sua ênfase, no que me parece insensato, no entanto é claramente uma teoria útil quando lidamos com Hitchcock e Fritz Lang, diretores que frequentemente relacionam pessoas por meio da montagem. De fato, as intrusivas projeções de fundo clamam para serem rotuladas "geografia criativa".

Os próprios filmes de Kulechov - ou aqueles feitos no período 1924-34 - soam dignos de serem vistos. Originalmente, foi a montagem paralela de Griffith e das comédias de Sennett que lhe chamaram atenção. E seus próprios filmes demonstram um interesse em temas americanos e alguma indiferença às convenções revolucionárias. As Extraordinárias Aventuras de Mr. West na Terra dos Bolcheviques foi uma comédia em estilo americano, assim como uma perspectiva da Rússia corrigir as incompreensões americanas. O Raio da Morte é como uma história de Mabuse, com gangues rivais e muito mais melodrama que o usual no cinema russo. Dura Lex é de um conto de Jack London, ambientado no Yukon, no qual um casal de mineiros tenta executar um criminoso que julgaram. Uma simples evocação da paisagem, comunidade e o melodrama moral de um pioneiro levado a fazer justiça com suas próprias mãos, também concentrada em alguns personagens esboçados em profundidade - um deles interpretado pela esposa de Kulechov, Alexandra Khokhlova. 

A teorização levou Kulechov a elaborar um código compreensível, mas rígido, de signos a ser transmitido pelos atores. Isto é como um alfabeto de respostas, um sistema que qualquer espectador poderia frequentemente concluir ser implícito do cinema, mas que possuía riscos medonhos enquanto um método a ser ensinado aos atores. Os ensinamentos de Kulechov foram importantes, mais que tudo na Rússia dos primórdios dos anos 20, por conta de haver tão pouco filme virgem, que ele interpretava as histórias como se estivesse sendo filmadas, mas sem expor o filme. Acrescente-se a isso sua crença que, na montagem, os atores precisavam conhecer o esquema da mesma e se emocionar quase por série, e é fácil perceber a evolução de um método estilizado que foi exposto ao naturalismo do som.

Kulechov nunca parece ter chegado aos termos com este. Mas seus filmes posteriores ainda soam fascinantes. Horizon é um Mr. West ao contrário: a história de um judeu russo que emigra à América, fica desapontado pelo que encontra, e retorna à Rússia agora sovietizada. The Great Consoler, no entanto, é de longe sua obra mais ambiciosa. Lida com um período no qual W.S. Porter (O. Henry) estava na prisão, e mescla sua vida com o material de alguns de seus contos. Por necessidade, fez isso para ensinar a Porter a importância do comedimento, mas sua mistura de fato e ficção pode se provar digna de maior atenção. 

Este é efetivamente o fim da produção de Kulechov. Em 1935 foi denunciado pelas forças stalinistas e obrigado a retratar-se. Seus únicos outros filmes foram infantis. Mas, em 1944, e sob recomendações de Eisenstein, tornou-se chefe do Instituto de Cinema de Moscou, posição de ensino que manteve até o final de sua vida.

Texto: Thomson, David. The Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1468-71.


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