Filme do Dia: Jesse James (1939), Henry King

 


Jesse James (EUA, 1939). Direção Henry King. Rot. Original Nunnally Johnson. Fotografia George Barnes & W. Howard Greene. Montagem Barbara Mclean. Dir. de arte William S. Darling & George Dudley. Cenografia Thomas Little. Figurinos Royer. Com Tyrone Power, Henry Fonda, Nancy Kelly, Randolph Scott, Henry Hull, Slim Summerville, J. Edward Bromberg, Brian Donlevy, John Carradine, Donald Meek, Johnny Russell, Jane Darwell, Ernest Whitman.

Os interesses da ferrovia transformam a vida dos irmãos Jesse (Power) e Frank James (Fonda), com sua tentativa de conseguir na força a desapropriação de propriedades. A mãe de ambos (Darwel) vem a falecer numa ação vinculada a mesma, transformando de vez o status dos irmãos em foragidos, com Jesse abandonando sua mulher, Zee (Kelly), e iniciando uma série de assaltos que lhe trarão uma fama ainda maior. Anos depois, quando Jesse retorna a cabana, fica sabendo pelo empregado Pinkie (Whitman), que ela partiu com o filho para a cidade. Jesse desiste de voltar a encontrar Zee e pede a Pinkie que não fale ao filho quem ele é. Tempos depois, para o infortúnio de Will Wright (Scott), o xerife que se apaixonara por Zee, Jesse retorna ferido, e com planos de refazer a vida com ela e o filho na Califórnia. Seus planos são bruscamente interrompidos pela chegada de Bob Ford (Carradine), interessado na polpuda recompensa para quem for o autor da morte de James.

Há algo encantador no prólogo deste filme. E diz menos respeito à trama que o grau de sofisticação na decupagem tão bem apontada por Bazin por volta deste período. Ao que se acrescenta ser feito em cores, e um uso nada chamativo das mesmas, tão distante do contemporâneo ...E O Vento Levou. E seu elenco de apoio maravilhoso. E mesmo em um filme que não lhe exige nada além dos protocolos do gênero, Power, que demonstrava seu talento onde podia (caso, sobretudo de O Beco das Almas Perdidas), empresta um carisma lustroso ao personagem, talvez demasiado amistoso para não confundir o potencial identitário de um galã dos espectadores (e sobretudo espectadoras) à época. Há também algo passadista na inflexão de voz de Nancy Kelly que a deixa a um passo do cinema mudo, o que faz imensamente sentido quando se observa que a sua carreira quase toda se dera naquele. E o seu momento dramático, talvez caçando alguma indicação ao Oscar como coadjuvante, é de longe o mais aborrecido de todo o filme. Não interessa tanto tirar partido da espetacularização da violência, calcanhar de Aquiles de produções de décadas posteriores que trarão empatia por seus foras-da-lei (Mortalmente Perigosa, Bonnie & Clyde). O embate que captura Frank James é completamente limado, já ele surgindo dominado pelos agentes da lei; dos assaltos sistemáticos de um amargurado Jesse pós-Zee apenas tomamos notícias pelas manchetes dos jornais. Engenhosamente, todo o espetáculo, com direito a cavalo  adentrando o espaço de um negócio, com James,  quebrando uma janela “devidamente plastificada”, fica para o final. E também de longe sua cena mais chocante, em que cavalos e cavaleiros (a dupla de irmãos) caem do alto de um despenhadeiro na água, fugindo de uma perseguição (o mesmo cavalo na realidade, filmado de dois ângulos distintos, morreria, o que forçaria a indústria a adotar medidas de proteção mais rigorosas com relação aos animais nos sets de filmagem). A ferrovia, habitualmente tratada apenas como um adereço marginal, marcação de tempo histórico a situar ou atualizar um momento histórico de determinada narrativa, ou convite para cenas de ação (desde o pioneiro O Grande Roubo do Trem), aqui é o elemento que instaura o conflito. Uma espécie de equivalente ao tema do cangaço para o cinema brasileiro, Jesse James é uma lenda presente em diversos momentos da história hollywoodiana, rendendo dezenas de filmes e pelo menos duas séries de TV. Este filme é merecidamente um dos marcos desta filmografia, assim como O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (2007), e também um dos primeiros – embora haja uma versão muda de 1927, rendendo uma continuação de menor qualidade, a cargo de Fritz Lang, A Volta de Frank James, três anos após, novamente com Fonda encarnando o personagem do irmão, assim como outros do elenco de apoio (Henry Hull, John Carradine, Donald Meek, Ernest Whitman) em seus papéis. Primeiro dos quatro filmes que Fonda contracenaria com Jane Darwell e mesmo não exatamente um filme em que a ideologia liberal se espraie muito fortemente como mensagem (como outro filme que os dois estariam, Consciências Mortas), há vestígios dessa em alguns diálogos do ator. Há uma consciente postura de marginalizar à figura de Robert Ford, demonstrando o quão menor fora diante do mito que assassinara, ao contrário da linha de Eu Matei Jesse James e do filme de 2007, que tem seu arremate na imagem final do epitáfio sobre o túmulo do herói-bandido.  O filme trabalha com a ambiguidade que era possível à época, uma insinuação que Zee, após o rompimento com Jesse, passara aos braços de Will Wright, mesmo tendo um filho de Jesse. Juntamente com No Tempo das Diligências, ajudou a reerguer o gênero, nos anos imediatamente prévios limitado sobretudo a produções B. |Twentieth Century Fox. 106 minutos.

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