Filme do Dia: Nadie Dijo Nada (1971), Raoul Ruiz
Nadie Dijo Nada
(Itália/Chile, 1971). Direção: Raoul Ruiz.
Rot. Original: Raoul Ruiz, a partir do argumento de Max Beerbohn.
Fotografia: Silvio Caiozzi. Música: Thomas Lefever. Montagem: Carlos Piaggio.
Com: Carlos Solanos, Jaime Vadell, Luis Vilches, Luis Alarcón, Nelson Villagra,
Shenda Román, Pedro Gaete, Humberto Miranda, Carla Cristi, Carmen Lara.
Não existe
propriamente um fio condutor que estabeleça os traços de uma narrativa
convencional. Trata-se das aventuras e desventuras de um grupo de amigos pelo
ambiente boêmio-acadêmico de um Chile que vivenciava sua primavera de
liberdades políticas que logo sucumbiriam a ditadura de Pinochet. Aqui, os
traços desse momento de esquerda são observados apenas de forma paralela, numa
reunião de um comitê. Ruiz prefere se deter sobre as limitações de uma classe
média agônica em sua sede de evasão através do álcool, bastante passível de um
paralelo com uso semelhante feito contemporaneamente por Cassavetes. Ao mesmo
tempo significando criatividade e resistência à modorrenta vida social e
cultural, mas longe de conseguir vencer o aprisionamento e a impotência,
inclusive de conotações sexuais, que paira sobre o grupo. O realizador consegue
instilar doses de nonsense kafkianas em meio a momentos como longos planos de
palestras acadêmicas que o aproximam do Godard da década anterior, ao mesclar
momentos extremos de subjetividade com um realismo de cunho pseudo-documental.
O absurdo, presente seja na descida por uma grade do jovem que havia acabado de
participar de um ritual obscuro no qual fora homenageado, ou a presença
constante de um mestre de cerimônias argentino, contraponto para a anarquia do
grupo, explode literalmente ao final quando o mesmo personagem decide ser esse
o fim para o prédio onde se encontra o grupo de amigos a partir de flatos
incessantes disparados por ele próprio. As referências homofóbicas já haviam
sido presentes anteriormente, quando o grupo xinga um homossexual na rua e
parecem serem diretamente vinculadas ao contexto cultural da época. Trata-se de
uma obra de não fácil diálogo com o público e não por acaso infelizmente jamais
seria lançada comercialmente nos cinemas. Mesmo que alguns elementos como o
absurdo já se encontrem presentes aqui, soa bastante distante da obra mais
conhecida de Ruiz, efetivada no exílio europeu, já que visualmente bem mais
crua e tecnicamente “imperfeita”. A seu modo, bem poderia ser uma feliz
representação do pathos poético que representa o quixotesco grupo, não faltando
referências irônicas ao nacionalismo chileno, comemorado efusivamente a partir
da vitória de um jogo da copa. RAI. 135 minutos.
Comentários
Postar um comentário