Filme do Dia: Pelo Malo (2013), Mariana Rondón
Pelo Malo
(Venezuela/Peru/Argentina/Alemanha, 2013). Direção e Rot.Original: Mariana
Rondón. Fotografia: Micaela Cajahuaringa.
Música: Camilo Froideval. Montagem: Marité Ugas. Dir. de arte: Matías
Tikas. Com: Samuel Lange Zambrano, Samantha Castillo, Beto Benites, Nelly
Ramos, María Emilia Sulbáran, Gabriel Guédez.
Junior
(Zambrano) é um garoto de nove anos criado nos subúrbios de Caracas e que sonha
em ser fotografado cantando e com cabelo liso. Sua mãe, Marta (Castillo), em
situação de risco em termos de trabalho, teme profundamente que o filho seja
gay. A avó do garoto (Ramos) não tem dúvidas quanto a isso, mas prefere
estimula-lo a reprimi-lo. Juntos a eles
vive um irmão ainda bebê (Guédez). A avó vive pedindo a Marta para ficar com
Junior.
Podendo
inicialmente ser enquadrado, sem muito esforço, dentro de uma produção
latino-americana que acentua disparidades étnicas e/ou sociais aberrantes nos
sistemas sociais de seus países (um exemplo próximo, aos primeiros minutos do
filme, pode ser o brasileiro Que Horas Ela Volta?), o filme
igualmente traslada ocasionalmente o voyeurismo de um Janela Indiscreta para a realidade miserável de um conjunto
habitacional de apartamentos aparentemente exíguos e maciçamente massificados.
Porém se o filme de Muylaert se dirige à tensão entre uma genitora que ganha
ocasionalmente a vida prestando serviços domésticos para uma família burguesa e
o olhar conscientemente questionador de sua filha das diferenças de classe, aqui, com exceção do momento inicial a
abordagem será bem outra. Nesse trecho a diversão do garoto na banheira também
terá seu equivalente, trabalhado de forma mais incisivamente classista, no
filme brasileiro, mas logo se descobrirá que ela é, de fato, vigilante,
afastando esse eixo de tensões de classe e se centrando mais na questão étnica
e sobretudo de identidade sexual. Frustrando talvez as expectativas de filmes
que trabalhem uma “agenda positiva” mais evidentemente engajada em relação a
temática racial e de gênero, o filme, no entanto, e muito provavelmente de
forma consciente, prefere enfatizar a ambiguidade, manifestação típica para
alguém que, como seu jovem protagonista, encontra-se sequioso do amor maternal
– fazendo completo sentido, por esse viés, o momento em que se revolta contra a
avó e diz que ela quer vesti-lo como mulher quando essa arranja um traje de
cantor para ele ser fotografado, justamente o seu tão esperado sonho.
Ambiguidade que se espraia para os créditos finais, quando observamos Junior
paramentado como “cantor”, executando o número musical da tradicional Meu Limão, Meu Limoeiro (no Brasil,
popularizada na voz de Wilson Simonal, e com letra parcialmente diversa),
reserva de utopia deslocada para fora da história propriamente dita. Dentre as
suas maiores virtudes se encontra as muito bem resolvidas interpretações de seu
elenco principal que majoritariamente não possuía experiências prévias (como é
o caso de Zambrano, Castillo e Nelly Ramos) e a ausência de sentimentalismo com
que descreve seu drama, cujo ápice se dá na cena talvez mais intensa do filme,
em que o filho afirma para a mãe não amá-la escutando uma resposta imediata no
mesmo sentido. Por vezes talvez existam
soluções excessivas em sua crueza, como a da mãe impedindo o filho de fechar a
porta do quarto para vê-la fazendo sexo com o patrão, mas não de todo
inverossímeis. Curiosamente, embora o título se refira ao desgosto de seu
protagonista com seu próprio cabelo e suas artimanhas constantes para tentar
alisa-lo aconteçam em vários momentos do filme, não chega em nenhum momento a
despertar preocupação por parte de sua mãe, ao ponto dela discutir com alguém,
contrariamente a questão da sexualidade, demonstrando certo caráter dispersivo
em seu foco. Artefactos S.F/Hanfgarn & Ufer Film und TV Produktion/Imagen
Latina/La Sociedad Post/Sudaca Films para FiGa Films. 93 minutos.
Comentários
Postar um comentário