Filme do Dia: Tartufo (1925), F.W. Murnau
Tartufo (Herr Tartüff, Alemanha, 1925). Direção: F.W. Murnau. Rot.
Adaptado: Carl Mayer, baseado em peça de Molière. Música: Guiseppe Becce.
Fotografia: Karl Freund. Dir. de arte e Figurinos: Karl Herlth & Walter
Röhrig. Com: Werner Krauss, Emil Jannings, Lil Dagover, André
Mattoni, Rosa Valenti, Hermann Picha, Lucie Höflich, Camilla Horn.
Criada (Valenti) envenena aos poucos
seu velho patrão (Picha) solitário, fingindo ser sua melhor amiga para se
apossar de seus bens. Quando o neto (Mattoni) do patrão vai visitá-lo é expulso
de casa. Ele logo percebe a influência da criada e retorna, disfarçado de
projecionista ambulante, convencendo a criada a exibir um filme na residência
de seu avô. O filme narra a história de um rico homem, Orgon (Krauss), que é
vítima da hipocrisia travestida de moralidade por Tartufo (Jennings), seu novo
guru, para desespero de sua mulher, Elmire (Dagover), que procura afastar a
influência de Tartufo sobre o marido a todo custo. Após simular uma cena de
sedução diante do marido, que não ocorre de todo, pois Tartufo percebe o marido
observando a cena, refletido em um bule, Elmire, com o auxílio da criada Dorine
(Hölflich) consegue que o marido flagre a verdadeira personalidade de Tartufo
se embebedando e tentando seduzi-la. Desmascarando a si próprio, após a sessão,
o neto aponta a figura da criada como um exemplar de Tartufo, revelando sua
estratégia malévola e a expulsando de casa.
Essa, provavelmente a mais famosa
transposição de Molière para o cinema, faz uma adaptação bastante original, ao
menos em termos formais, do próprio cinema na sua narrativa dentro da
narrativa, como elemento de “revelação moral”, no sentido mais puramente
grriffitheano (sobretudo seu A
Drunkard’s Reformation, de 1909, que fazia uso semelhante de uma narrativa
teatral). As referências ao próprio universo voyeurístico da recepção de um
filme são evocadas a todo momento no filme, fazendo uso das habituais cenas em
que os personagens espiam os outros, para não falar da mais direta interação do
neto que ao ser expulso inicialmente pelo avô, dirige-se diretamente aos espectadores
afirmando que retornará para desmascarar a criada. O fato do neto ser ator e fazer uso
de artimanhas das artes cênicas (teatro, cinema), apenas explicita, talvez de
modo um tanto demasiado, a arte enquanto possibilidade de desmascaramento do
real (algo que voltaria a ser trabalhado, de forma mais sofisticada e ambígua,
em diversos filmes de Bergman, notadamente O Rosto). O resultado final, no entanto, extrai uma boa dose de magia de seu
tom abertamente fabular, com destaque para a notável interpretação de
Jannings, encarnando uma figura tão escrachadamente demoníaca quanto seu
Mefisto no filme seguinte de Murnau, Fausto,
do ano seguinte. Sua fisionomia de bufão
ensandecido afundando em meio a um travesseiro é de um grafrismo
evocativo do universo das histórias em quadrinhos. Dagover é a estrela de O Gabinete do Dr. Caligari (1919),
clássico do cinema alemão, que também faz uso de uma narrativa dentro de outra.
Existem versões mais longas, inclusive uma com 74 minutos. UFA. 63 minutos.
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