Filme do Dia: Joaquim (2017), Marcelo Gomes
Joaquim (Brasil, 2017). Direção e Rot.Original: Marcelo Gomes. Fotografia: Pierre de Kerchove. Montagem: Eduardo Chatagnier. Dir. de arte: Marcos Pedroso. Figurinos: Ro Nascimento. Com: Júlio Machado, Rômulo Braga, Welket Bungué, Isabel Zuaa, Nuno Lopes, Diogo Dória, Eduardo Moreira, Miguel Pinheiro, Karay Rya Pua.
Joaquim
(Machado) é um alferes que vive observando os seus companheiros de trabalho
engajados em processo de corrupção daqueles que exploram as minas ilegalmente.
Seu superior Manoel (Pinheiro), explora sexualmente a negra por quem Joaquim
tem apreço e bastante desejo, Nega (Zuaa). Ele tenta compra-la, sem sucesso.
Manoel o envia para uma expedição até uma região bastante inóspita na companhia
do recém-chegado de Portugal e completamente inexperiente Matias (Lopes), do
assistente Januário (Braga), do índio Inhambupé (Pua), que conhece bem a região
e do negro João (Bungué). Quando se encontram de partida ficam sabendo que
Manoel foi morto por Nega, que fugiu. Após muitas vicissitudes, e a desistência
de Januário e de Matias, que abandonam o grupo, Joaquim persiste e encontra
ouro, porém é capturado por um grupo de quilimbolas, sendo posteriormente
liberto por Nega. Ao retornar, é apresentado pelo padre a um grupo de
sediciosos da elite.
O
filme consegue, de uma maneira geral, um feliz equilíbrio entre um esboço
narrativo mínimo – e descentrado de qualquer eulogia mais piegas, caricata ou
clichê com relação a seu personagem – e uma alusão, ainda que distante e
oblíqua, a um cinema de aventura, sendo nesse sentido menos pretensioso e
afetado que um filme como Jauja. É
impossível não se formular comparações com outra abordagem da personagem, Os Inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de Andrade, também um comentário sobre o momento em que foi produzido.
Aqui, ao mesmo tempo que um veio explora com sutileza as permanências das
relações de exploração, de dominação e que envolvem igualmente questões étnicas
e de gênero, mais tipicamente afinadas ao discurso contemporâneo em que foi
produzido que o filme cinemanovista, por outro lado existem momentos de
explícita alusão paródica aos Estados Unidos (na observação de Joaquim sobre a
igualdade utópica que observa no país que, prevê ele, jamais pretenderá dominar
outras nações) ou que não deixam de respingar para o momento político
contemporâneo no Brasil (como quando o protagonista comenta, desgostoso, sobre
os mais corruptos ascenderem na hierarquia, enquanto os mais corretos vão
progressivamente ficando à margem). Algumas vezes essa obviedade, como
sobretudo no caso do comentário sobre a revolução americana, funciona melhor,
inclusive como efeito de distanciamento do que é narrado e evidente piscadela
marota para o espectador que outros, em que se pretende mais sério, como é o
caso da desnecessária alusão à resistência do movimento negro-quilombola ou ao
momento de canto e dança que as duas etnias marginais do processo de elaboração
cultural do país – o negro e o índio – se unem em um entrosamento, ainda que
aparentemente sem compreensão mútua e
literal do que é cantado. Ou, talvez de forma um pouco mais interessante mas
nem por isso menos esquemática, da
ingenuidade pueril do afã revolucionário de Joaquim se refastelando com a
generosidade de carne em um banquete ao lado da aristocracia completamente
interessada em seus próprios benefícios e que não pagará, certamente, com suas
próprias cabeças, pelo levante que se seguirá, numa alusão que certamente tem
como pretensões se irradiar para o restante da história do país, incluindo o
momento contemporâneo em que foi rodado. Ou seja, como desde determinado
momento do Cinema Novo, posterior ao golpe militar, a explicitação dos desejos
de classes, ainda quando sob a rubrica de uma pretensa homogeneidade
progressista. A relação com a figura feminina se esboça em um jogo mais complexo,
igualmente herdeiro da postura irônica
com relação aos mitos românticos do Cinema Novo, presentes na relação entre a
índia e o homem branco de Como Era Gostoso o Meu Francês, em que submissão, achaque, afeto, inspiração,
marginalidade e autoafirmação não exatamente se confundem, mas emergem com
maior nitidez diante de cada contexto específico de interesses. Iniciado com um
prólogo em que diante da imagem da cabeça decepada do líder se escuta sua
própria voz comentando sobre o destino trágico que lhe espera, o filme
conscientemente se põe a todo momento qual o recorte que pretende efetuar, não
apenas observando o seu protagonista como uma figura de sua época, menos
heroica mas certamente mais interessante, como extirpando de si justamente
aquilo que mais apelaria a uma narrativa dramática de cunho mais convencional,
seja o assassinato de Manoel ou – e principalmente – o momento da conjuração
propriamente dita, ainda que sob o peso de sua descrição do cotidiano antes da
missão ao sertão correr o risco de uma não menos consciente morosidade. Chama a
atenção, mais que tudo, dentro do panorama do cinema brasileiro do momento em
que foi produzido, não apenas essa incursão pela história, algo por si só já de
extrema raridade, como igualmente marcada pelo meio caminho entre a pesquisa e
elaborações idiossincráticas sobre as posturas e modos de agir de seus
envolvidos, mesmo que sob o risco de ocasionalmente não ir além de algumas
trivialidades como a troça dos brasileiros sobre o desajeitado português que os
acompanha. Outro mérito é jamais se render ao estereótipo ou polarização
maniqueísta em relação aos personagens que apresenta, algo mais sugerido que
felizmente concretizado na figura do próprio Matias. Rec Prod. Associados
Lmtd/Ukbar Filmes para Imovision. 97 minutos.
Assisti.
ResponderExcluirFiquei intrigada com a verve meio Lei de Gerson do “nosso” herói, deixando-se levar pala ganância dos poderosas senhores feudais, na vã ilusão de que um dia seria ele a oferecer o Banquete. Foi colocado na bandeja. Ou melhor, na guilhotina.
Uma abordagem interessante da história oficial.
Ouvi muitos muxoxos ao final...
Mas, afinal, pura consequência do efeito manada, que não é um fenômeno apenas dos dias atuais.
Um abraço Cid.
Sim, você tem razão, mas nos dias atuais esse efeito tem se agravado e, infelizmente, as redes sociais tem seu quinhão nisso, até mesmo com a tal de "pós-verdade". Abraço!
ResponderExcluir