Filme do Dia: Mulheres da Beira (1923), Rino Lupo & George Pallu
Mlheres da Beira (Portugal, 1923). Direção: Rino Lupo &
George Pallu. Rot. Adaptado: Rino Lupo,
a partir de conto de Abel Botelho. Fotografia: Artur Costa de Macedo. Montagem:
Marie Meunier & George Pallu. Com: Brunilde Júdice, António Pinheiro, Mário
Santos, Rafael Marques, Maria Júdice Caruson, Celeste Ruth, Duarte Silva, Marina
Santos.
Ana (Júdice) é a bela filha de um
homem pobre e viúvo, Pedro (Pinheiro). Certo dia um amigo de Pedro lhe dá o
conselho dela ir à cidade mais próxima do povoado em que vivem, em Arouca,
trazer pães para vender e ganhar alguns trocados. Ela fica entusiasmada com a
experiência e bastante encantada com o mundo que não conhecia de Arouca, de
mulheres que se vestem bem e dos homens fidalgos. No caminho para lá, desperta
a paixão de André (Santos), um pastor de ovelhas. Em Arouca do Fidalgo da Mó
(Marques). Sofrendo eventuais maus tratos do pai rude, Ana confessa a tia que
irá fugir com o Fidalgo, que lhe prometeu uma vida de luxo no Porto. De fato,
ele cumpre a promessa, mas em pouco tempo se interessa por outra mulher, que se
torna sua amante e a expulsa de casa. Ela tenta voltar a casa do pai, mas é
renegada igualmente por este ao saber que ela devolvera as joias que havia
ganho de presente. Tenta ser aceita pelas freiras do convento, mas quando essas
sabem dela se encontrar grávida, afirmam que não podem ficar com ela. Volta ao
campo onde reencontra André, obcecado por ela desde então, mas afirma que já
não é mais pura para se unir a ele, matando-se.
Produção que, mesmo com todo o
previsível enredo marcadamente melodramático e fatalista já prenunciado em sua
primeira cartela (“Menina não seja vacia/Recolha seus pensamentos/Que Beijos
são impostura/Palavras leva-as o vento”) consegue construir, sobretudo em parte
de sua primeira metade, uma tocante e sensível descrição do crescente
entusiasmo e abertura de Ana para o mundo. É certo que o filme não constrói
exatamente a contento a ambiguidade entre a legítima curiosidade diante de um
mundo até então desconhecido – e o filme não se escusa em mostrar uma
panorâmica do Porto quando a tia lembra o tempo que lá vivera e o quão
infinitamente mais pujante era a cidade em relação a Arouca – e a oportunidade
de deixar de ser subjugada pelo pai entrevista na fuga que une o casal com
pretensões bem diversas às habitualmente românticas. A singeleza do momento
inicial, quando ainda não se encontra posta a tessitura algo banal e engessada
de sua trama e a forma delicada com que enquadra Ana em meio às paisagens de
Arouca ou do campo chegam a ser evocativas do contemporâneo Nosferatu, de Murnau. O italiano Lupo,
é um dos cineastas pioneiros mais profícuos do cinema português. No plano
visual destaque para o momento em que Ana se encontra a janela e se observa
algo da movimentação cotidiana ao fundo em contra-luz provocando um belo (e
raro no período) efeito. É curioso como seu título dá pistas de que a postura
de Ana poderia valer para as mulheres da região como um todo, e que sua tia, de
certo modo, já prefigura algumas das situações vivenciadas (de outras ela ou o
próprio filme se resguardam de apresentar) por ela. Salta aos olhos o quão mais
bem resolvida é a narrativa, podendo inclusive imaginá-la como mais próxima do
período sonoro, que suas equivalentes brasileiras. Trata-se de uma cópia
restaurada e musicada em 2007. Invicta Film. 84 minutos.
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