Filme do Dia: Sozinho Contra Todos (1998), Gaspar Noé
Sozinho
Contra Todos (Seul Contre Tous, França, 1998). Direção e Rot. Original:
Gaspar Noé. Fotografia: Dominique Colin. Montagem: Lucile Hadzihalilovic &
Gaspar Noé. Com: Philippe Nahon, Blandine Lenoir, Frankie Pain, Martine
Audrain, Jean-François Rauger, Guillaume Niclaux, Olivier Doran, Aïssa Djabri.
1980. Um açougueiro (Nahon), órfão
desde criança, procura reestabelecer sua vida após a prisão, onde tentara
assassinar um homem que acreditara ter estuprado sua filha.. Ele volta a se
casar e vai morar com sua esposa (Pain) na província, junto a sua sogra
(Audrain). Desempregado e constantemente pressionado, ele agride fortemente a
esposa grávida e parte para Paris. Lá sobrevive com dificuldades e possui
planos de assassinar um gerente de supermercado (Niclaux) que o humilhou. Decide
visitar a filha de sua primeira união, Cyntia (Lenoir), que vive em um
reformatório. O reencontro com a filha provoca uma reviravolta em sua vida.
Estreia em longa-metragem de Noé que
já apresenta aqui duas das características que chamariam a atenção de seu mais
famoso Irreversível: o modo original
de apresentar a narrativa e uma queda por personagens de visão de mundo
bastante pessimista e mesmo escatológica. Talvez como consequência de ambos, o
desejo de chocar um certo bom gosto burguês fomentador não somente das regras
jurídicas, tal como expressas no primeiro diálogo do filme mas, por
analogia, estéticas; papel que no Brasil
seria buscado, a seu modo, por Cláudio Assis, que abraça esse imaginário mundo
cão com a mesma crueza em filmes como Amarelo Manga. Porém, enquanto em Assis tal imaginário ganha expressão gráfica a
todo momento, aqui é sobretudo o produto da subjetividade do protagonista a
partir da mais pura banalidade. Desde o início Noé deixa patente uma narrativa
plenamente autoconsciente de si, marcada por referências diretas ou indiretas
ao espectador, sobretudo na forma da voz off
que faz as vezes da consciência ressentida do protagonista. Não se trata de
um tema novo esse da apropriação de tendências fascistas, xenófobas e
homofóbicas por parte de elementos que se veem a margem da sociedade. De certo
modo é a versão de Noé para o que Scorsese já havia abordado em seu Taxi Driver(1976) (e que Shane Meadows
voltará a se deter em seu This is England). Não faltam referências literalmente explícitas a frequência do
protagonista a filmes pornôs que já estava presente, de modo mais simulado, no
filme de Scorsese, enquanto demonstração de sua dificuldade de lidar com a
afetividade. Aqui, no entanto, a paranoia ressentida e cínica ganha uma dimensão
paradoxalmente também bastante lúcida na análise da hipocrisia social que se
torna uma verdadeira filosofia de vida do personagem e talvez esse, mais do que
qualquer um dos cacoete narrativos empregados, tais como o brusco
reenquadramento da imagem acompanhado de um ruído sonoro semelhante a do
estampido de uma arma, anunciando uma tragédia iminente, seja o grande trunfo
do filme. Há um tom paródico que se nunca pousa de fato tampouco deixa de
flutuar por todo o filme, desde a apresentação, através de fotos fixas que
ajudam a contar a trajetória que entrelaça os dados biográficos do açougueiro
com a história política francesa de modo sumariamente mecânico até a remissão
da cena mais bárbara do filme e o momento de exaustão emotiva do personagem, indefeso
e em lágrimas, ao som (não diegético) do Cânon
em D Maior de Pachebel (também utilizado em O Enigma de Kaspar Hauser). Mesmo com suas várias intervenções na
narrativa, o uso que Noé faz das mesmas é menos aleatório, já que associado ao
próprio estado de espírito de seu protagonista, do que o de Violência Gratuita, por exemplo. Nahon é veterano do cinema francês, tendo
estreado em 1962 pelas mãos de Jean-Pierre Melville com Técnica de um Delator. Canal+/Les Cinemas de La Zone/Love Streams Prod. para Rézo
Films. 93 minutos.
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