Filme do Dia: Elis (2016), Hugo Prata
Elis
Regina (Horta), é uma jovem entusiasta pela música que chega ao Rio de Janeiro
com seu velho pai Romeu (Machado), justamente quando irrompe o golpe militar.
Como eles vieram com atraso, não conseguem o prometido teste de gravação e
Elis, contra a vontade paterna, fica para um ensaio com Tom e Vinícius, do qual
sai desgostosa. Porém, logo brilhará em um clube noturno comandado por Ronaldo
Bôscoli (Machado) e Miéle (Mauro Filho), no qual a estrela do momento é Nara
Leão (Wilker). Seu temperamento não se afina com o de Bôscoli, notório
mulherengo, que mantém casos com várias cantoras, sendo sua presença de palco
comandada pelo coreógrafo norte-americano Lennie Dale (Andrade). Logo ela se
torna um fenômeno da TV ao lado de Jair Rodrigues (Silva), porém Bôscoli
acredita ser seu talento desperdiçado na TV, onde é a febre do momento,
substituindo o canto intimista da bossa nova, mas logo se verá ameaçada pela
popularidade da Jovem Guarda. Elis se apaixona por Bôscoli e os dois casam. Um
episódio que marca negativamente sua carreira é o fato de ter cantado para os
militares em uma transmissão televisiva por se sentir pressionada, sendo
enterrada simbolicamente por Henfil (Gomlevsky) em uma de suas tiras. Separando-se de Bôscoli,
após inúmeras traições, ela se une ao pianista e arranjador César Camargo
Mariano (Ciocler), posiciona-se criticamente em relação à ditadura e a
indústria fonográfica, visita Lennie Dale na prisão, mas se sente aprisionada
em sua carreira, entrando em constantes atritos com Mariano que a levam a se
separar. Pouco tempo depois morre deprimida em seu quarto, após ingerir whisky
e anfetaminas.
Essa
cinebiografia não se esquiva de seguir o mesmo receituário das muitas que
surgiram, sobretudo a partir de duas décadas anteriores ao seu lançamento, em
um paralelo não de todo distante com um ciclo ainda mais intenso de
documentários sobre personalidades do mundo cultural, sobretudo da música
brasileira. Produção bem efetivada e com o tradicional rol de personalidades
com as quais o (a) biografado(a) conviveu – curiosamente Milton Nascimento se
encontra ausente, talvez por imposição do próprio compositor – e o roteiro,
nada digno de nota, não se escusa em apresentar através de diálogos um tanto
forçosamente didáticos sobre quem se
trata. Horta encarna com mimetismo habitual os esgares e gargalhadas que são
marcas registradas da cantora, fazendo sua parte a contento dentro do conjunto
construído. Porém esse último é um tanto anêmico para soar motivador, flertando
ocasionalmente com temas muito interessantes, como é o caso da percepção de
Elis que uma nova censura, talvez ainda pior que a do regime militar, começa a
se instaurar, que é a do próprio mercado, porém não indo além da superfície desses, assim como
– e aí, de forma bem mais nociva em se tratando de um filme ficcional – não
conseguindo manter uma tensão dramática que o faça conseguir levantar voo para
além do desgastado modelo, completamente absorvido na pretensa curiosidade
mórbida alavancada por uma figura pública expressiva e morta precocemente. E aí
nos encontramos em plena seara de transformar a maior parte de suas personagens
em anêmicos espectros unidimensionais. Dentre os contrastes demasiado fáceis
que se faz questão de ressaltar, estão a da caipira gaúcha proveniente de um
ambiente estritamente familiar que se choca com a promiscuidade de Bôscoli e
com a maconha fumada por Lennie Dale ao ínicio, que se arvora como piscadela ao
público que já sabe – ou senão saberá através do próprio filme – da futura
Elis, mulher liberada e sem pudores, adepta do palavrão assim como das drogas.
Se houve toques de ousadia da cantora em relação ao momento em que viveu, ao
inclusive abraçar e transformar em enorme sucesso uma música como O Bêbado e o Equilibrista e se o próprio
tempo não deixou de ser cruel em termos da datação de boa parte do repertório
brilhantemente interpretado por ela, incluindo a própria referida canção, o
filme multiplica a enésima potência esse efeito com saídas tão canhestras como
a recorrente intercalação de números musicais da cantora com momentos
vivenciados por ela numa cansativa pausterização imerecida para alguém tão
criativa e carismática. Longa de estréiaBravura Cinematográfica-Globo Filmes para Downtown
Filmes. 110 minutos.
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