Filme do Dia: Häxan (1922), Benjamin Christensen
Häxan
(Dinamarca/Suécia, 1922). Direção e Rot. Original:
Benjamin Christensen. Fotografia: Johan Ankerstjerne. Montagem:
Edla Hansen. Dir. de arte e Cenografia: Richard Louw. Com:
Maren Pedersen, Clarapontopiddan, Elith Pio, Oscar Stribolt, Tora Teje, John
Andersen, Benjamin Christensen, Poul Relmert, Karen Winther, Kate Fabian
Difícil desfiar elogios suficientes para todas as qualidades
dessa gema do cinema mudo. Elas o surpreendem praticamente ao longo de todo o
filme. Antes de tudo, pela subordinação de todo o enredo dramático a uma
asserção sobre a feitiçaria ao longo de diversos períodos da humanidade, o que
lhe traz uma dimensão documental antes mesmo que o gênero houvesse sido
batizado – e o realizador faz questão de não disfarçar tal pretensão, incluindo
o nome de eruditos que colaboraram com a produção, gráficos e pinturas
clássicas para comprovar sobre o que fala. É sobre essa dimensão documental que
ocorre o prólogo do filme, dimensão essa que retornará com força em outros
momentos. Provavelmente influenciado
pelo Intolerância (1916), de
Griffith – tendo sido lançado nos Estados Unidos com o sugestivo subtítulo de A Feitiçaria Através dos Tempos,
semelhante ao subtítulo da célebre obra do realizador norte-americano. Sem
necessitar da opulência majestosa, pomposa e, em última instância estéril do
filme de Griffith, Christensen realiza um filme surpreendentemente moderno
tanto em forma quanto em sua ideologia. Esteticamente irreprovável, o filme
constrói seu universo de demônios e seres bizarros com criatividade ímpar,
superando talvez o talento da arte cenográfica da produção expressionista alemã
posterior e contemporânea em associação com trucagens óticas. Seu desenho de
produção, que inclui transparências com bruxas voando, efeitos de animação e
maquetes, certamente influenciou um tratamento semelhante para o Fausto (1926), de Murnau. Formalmente
assombrosa é a criatividade com que trafega entre explanações
histórico-científicas e sua dramaturgia encenada, incorporando a ambas
deliciosos comentários narrativos sobre a própria produção – como o fato de uma
das atrizes acreditar efetivamente em demônios
segundo o narrador e jurar ter visto um ou outra se ter submetido a um
dos aparelhos de tortura mais leves, e o realizador se negar a contar os
segredos que extraíra dela. Assim como o uso da montagem, que a certo momento
demonstra um eixo inexorável que questiona a própria explicação científica para
o fenômeno da bruxaria medieval como sendo somente superior a explicação
anterior, identificando igualmente uma linha de continuidade – representada,
por exemplo, nos banhos frios para curar as histéricas tal como as torturas
redimiriam as almas das bruxas. Inusitadamente ousado o é também no plano
moral, com uma implícita, e por vezes não tão implícita, veia sensual que o
atravessa do início ao final, apresentando cenas desde mulheres beijando o
traseiro do demônio até diversas cenas de nudez feminina, muitas delas
censuradas à época. Sua mescla entre documentário e ficção, seriedade e bom
humor, argumentos históricos e fantasia parece antecipar em décadas experiências
semelhantes de realizadores modernos tais como Dusan Makavejev e Jean-Luc Godard. Já seus rostos intensamente próximos da câmera em situações de tortura
antecipam uso semelhante efetivado por seu compatriota mais célebre, Dreyer, em
A Paixão de Joana D´Arc (1928),
mesmo que um humor semelhante e menção a tradição escatológica cristã, sob viés
bastante distinto, já houvessem aparecido na obra de Dreyer em filmes como A Quarta Aliança da Senhora Margarida (1920)
e Páginas do Livro de Satã (1921).
Deve-se ressaltar que no último a opção por um tom sério-dramático e sua visão
moral conservadora o torna bem menos interessante ao público contemporâneo que
essa obra de Christensen. O realizador aparece como ele próprio, travestido de
demônio e encarnando Jesus Cristo. Alijosha/Svenskfilmindustri.105
minutos.
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