Quem ama não se apega apenas aos "erros" da amada, não apenas aos caprichos e às fraquezas de uma mulher; rugas no rosto e sardas, vestidos surrados e um andar torto o prendem de maneira mais durável e mais inexorável do que qualquer beleza. Isso se sabe há muito tempo. E por que? Se é correta a teoria segundo a qual os sentimentos não estão localizados na cabeça - que sentimos uma janela, uma nuvem, uma árvore não no cérebro, mas antes naquele lugar onde as vemos -, então estamos também nós, ao contemplarmos a mulher amada, fora de nós mesmos. Agora, porém, num tormento intenso e arrebatador. Ofuscado pelo esplendor da mulher, o sentimento voa como um bando de pássaros. E assim como os pássaros procuram abrigos nos esconderijos frondosos da árvore, também se recolhem os sentimentos, seguros em seu esconderijo, nas rugas, nos movimentos desajeitados e nas máculas singelas do corpo amado. Ninguém, ao passar, adivinharia que justamente ali, naquilo que é defeituoso, censurável, aninham-se os dardos velozes da adoração.

Walter Benjamin, passagem de Rua de Mão Única citada em Diário de Moscou, p.24, nota 26)

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