Filme do Dia: Laura (1944), Otto Preminger
Laura
(Laura, EUA, 1944). Direção: Otto Preminger.
Rot. Adaptado: Jay Dratler, Samuel Hoffenstein & Elizabeth Reinhardt, a
partir de um romance de Vera Caspery. Fotografia: Joseph LaShelle & Lucien
Ballard. Música: David Raksin. Montagem: Louis R. Loeffler. Dir. de arte:
Leland Fuller & Lyle R. Wheeler. Cenografia: Thomas Little. Figurinos:
Bonnie Cashin. Com: Gene Tierney, Dana Andrews, Clifton Webb, Vincent Price, Judith Anderson, Grant
Mitchell, Dorothy Adams, John Dexter, Ralph Dunn.
O detetive McPherson (Andrews) investiga a
morte de Laura (Andrews), jovem publicitária que ganha as graças do esnobe
Waldo Lydecker (Webb). Lydecker, completamente obcecado pela jovem, a afasta de
todos os homens que se interessam por ela como o artista Jacoby (Dexter),
destruindo o que ainda restava de reputação. Porém, a situação é diferente
quando ela se agrada de fato do oportunista Shelby (Prince), amante-gigolô da
tia de Laura, Ann (Anderson). Sem
conseguir avançar nas investigações, McPherson também passa a se tornar obcecado
pela figura de Laura. Enquanto dorme no apartamento dela, é surpreendido por
seu retorno. Ficam sabendo então que o cadáver encontrado no apartamento de
Laura era o de uma modelo que trabalhava na agência. Resta saber quem é o
assassino.
Com marcante fotografia em p&b, esse
clássico noir consegue, com sutileza,
um nível de ambiguidade incomum para o cinema norte-americano de seu período.
Tudo se dá, sobretudo, com o ressurgimento de Laura, que pode ser interpretado,
a partir de uma aproximação da câmera similar a convenção que antecipava um
momento de transição da descrição objetiva para um espaço onírico ou de forma
literal. O que o filme apresenta de
virtuoso em termos de apresentação de sua narrativa – incluindo, por exemplo,
uma narração over ao início que acena para a possibilidade de Lydecker ser o
protagonista do filme - talvez fique a
dever em termos de elaboração/identificação com seus personagens, apresentados
de forma decepcionantemente rala. À exceção da personagem-título de Tierney que,
no auge de sua carreira, encarna uma protagonista ambígua como o filme, suave e
doce no trato, mas ao mesmo tempo passível de ser observada como volúvel em
relação aos homens e mesmo interesseira, já que ascende socialmente a partir de
sua “amizade” com Lydecker. Já encarnando esse último está Webb, que não vivia
ninguém além de uma persona cinematográfica muito próxima dele próprio, um
dândi elegante e algo efeminado – notável aqui é seu costume de datilografar
seus artigos de sua banheira; trata-se da retomada triunfal da carreira do
ator, em seu primeiro longa em 19 anos.
Uma das possibilidades mais interessantes de se lidar com a ambiguidade
narrativa é observar que, juntamente com ela, pode-se observar igualmente dois
tipos masculinos e de visões de mundo diametralmente opostas, a do “tira durão”
e misógina representado por Andrews e a do homem refinado e culto de Webb.
Ao se apostar na versão dele como assassino,
observa-se mais um exemplo de vilão reservado a senão exatamente
personagens, atores homossexuais de longa lista na Hollywood clássica (como
demonstra o documentário O
Celulóide Secreto); ao se apostar
nas ironias (que podem servir como pistas para o caráter psico-paranoico do
herói) de Lydecker/Webb, tem-se uma potencialmente sutil reversão da
romantização do tipo “durão” pelo gênero. E o mesmo vale para a construção da
personagem principal, mulher emancipada e autonôma a se crer em Lydecker,
passiva, submissa e típica candidata a esposa a se crer em McPherson. Preminger, um dos mais ousados
cineastas da década seguinte, com temas que iam contra o que ficou popularizado
como Código Hays, já antecipa aqui algo de sua verve iconoclasta. 20th
Century-Fox. 88 minutos.
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