Filme do Dia: Se Não Nós, Quem? (2011), Andres Veiel


Se Não Nós, Quem? (Wer Wenn Nicht Wir, Alemanha, 2011). Direção: Andres Veiel. Rot. Original: Andres Veiel, a partir do argumento de Gerd Koenen. Fotografia: Judith Kaufmann. Música: Annette Focks. Montagem: Hansjörg Weissbrich. Dir. de arte: Christian M. Goldbeck & Daniel Chour. Cenografia: David Hoffman. Figurinos: Bettina Marx. Com: August Diehl, Lena Lauzemis, Alexander Fehling, Thomas Thieme, Imogen Kogge, Michael Wittenborn, Sussane Lothar, Maria-Victoria Dragus, Vicky Krieps, Jonas Hämmerle.
Bernward Vesper (Hämmerle) é um garoto criado desde pequeno sob a firme mão de seu pai, partidário do Nazismo, e escritor destacado então, Willi (Thieme). Quando jovem adulto (Diehl) se apaixona pela colega de universidade Gudrun Esslin (Lauzemis) e promete ao pai voltar a publicar sua obra, proibida desde a redemocratização. Bernward junta-se a Gudrun para fundar uma editora de pequeno porte. Sua união é desaprovada pela família de Gudrun, que, ainda assim, e mesmo com as constantes traições de Bernward, insiste na relação. Com o passar dos anos e a crescente polarização política na Alemanha, desencadeada após a visita do Xá Reza Pahlevi, e a repressão brutal aos protestos que resultam na morte de um estudante. Gudrun se aproxima de Andreas Baader (Fehling). Presa por um atentado contra um loja de departamentos, ela passa um tempo na prisão, e quando é liberta, volta a se encontrar com Baader, a quem conseguem libertar da prisão, e abandona Bernward e o filho pequeno, Felix. Bernward, enquanto isso, inseguro quanto ao seu talento literário, entrega-se às drogas ao ponto de ter que entregar o filho a uma amiga para não jogá-lo pela janela.
A sensação de dèja vú se torna crescente não apenas enquanto a todo um ciclo de filmes semelhantes, inclusive algumas produções brasileiras que tematizaram igualmente os anos de chumbo, como a inclusão de imagens de arquivo e a rendição a atraentes canções pop da época para tentar insuflar “artificiosamente” o que não se conseguiu em termos puramente dramáticos ou cênicos quanto particularmente a revisão da parte mais estritamente associada a polarização ideológica que já havia sido trabalhada pelo recente O Grupo Baader Meinhof. A fotografia, de estilo semelhante, e uma atenção com os valores de produção, assim como a recorrência de alguns motivos centrais, como o estopim para a polarização desencadeado pela visita do Xá Reza Pahlevi, assim como em particular a atenção direcionada ao estilo de vida e sexualidade inovadora do grupo, apresentando de forma habitualmente cômica, acabam por reforçar a hipótese dessa produção ter sido planejada na cola do sucesso internacional daquele. Aqui foca-se mais na relação particular de Gudrun e seus dois homens, assim como com a família e o filho pequeno, ganhando inclusive um destaque maior do que Bernward, que surgiu inicialmente como protagonista, do que propriamente numa crônica mais detalhada que apresentava, mesmo que de forma ligeira, a trajetória de ações de seus integrantes, reforçando ainda mais, ou pelo menos assim buscando, o senso de identificação mais convencional. De uma maneira geral, tenta-se diferenciar da produção anterior pelo foco mais no dramático-intimista que no elemento de ação que havia tirado partido de uma espetacularização da violência a partir das ações do grupo. Se isso pode ser uma virtude em seu início, amparado por uma descrição de uma família nazista com o peso da contradição entre o afeto paterno e a violência, em estilo algo evocativo de A Fita Branca, porém de forma caricata, na apresentação da rigidez dos ritos cotidianos à mesa de jantar, aos poucos o filme vai se aproximando cada vez mais dos protocolos já relativamente banalizados do filme de temática histórica já referidos. Sua evidente perda de ritmo, primeiro afastando-se de seu atmosférico e enigmático momento inicial, abraçando a trilha mais cômoda do docudrama “político”, no qual os aspectos políticos na verdade acabam servindo meio como pano de fundo para a projeção em primeiro plano de seus atormentados protagonistas levam-no para o beco sem saída de seu abrupto final, seguido pelas não menos habituais cartelas que apresentam o “destino” dos personagens envolvidos, aparentemente suicídio no caso dos três principais, sem sequer questionar a versão oficial da história (já que alguns acreditam até hoje na tese de assassinato de Gudrun Eisler e Andreas Baader). Um dos poucos diferenciais na representação dos protagonistas é a figura de um Baader algo andrógina que também vale, em menor medida, para Eisler. Tendo o clima da época, e o próprio grupo em particular, sido referidos em Alemanha no Outuno (1978), um dos últimos projetos coletivos associados ao Novo Cinema alemão, persiste ao final do filme a hipótese de que, como no caso do cinema brasileiro, ainda não se fez “justiça” (ainda que ou principalmente poética) a esse momento da história alemã. À luz mortiça do revisionismo, com a vantagem, se tanto, do distanciamento histórico, observa-se a face humana da repressão, encarnada na figura da diretora da prisão, surgida do nada, assim como o cinema italiano já havia tido a sua (não pequena) liberdade de fazer Moro ser libertado vivo das mãos dos terroristas de esquerda em Bom Dia, Noite, alguns anos antes. Tudo em temor do abominável risco do esquematismo. Ironicamente, ao se aproximar da perspectiva mais intimista, o filme igualmente se centra na dimensão familiar, justamente aquela que se encontrava sendo posta em xeque pelos jovens de então, a chave para a perspectiva em que tudo é observado, da personalidade dividida de Bernward a negação do passado militar em serviço aos interesses nazistas do pai e, por consequência, de sua própria família, por Gudrun. Ard Degeto Film/SWR/WDR/Zero One Film/Deutsche GmbH. 124 minutos


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