Filme do Dia: Dogville (2003), Lars Von Trier
Dogville
(Dinamarca/Suécia/França/Noruega/Holanda/Finlândia/Alemanha/Itália,
Japão/EUA/Reino Unido, 2003). Direção e Rot. Original: Lars Von Trier.
Fotografia: Anthony Dod Mantle. Montagem: Molly Marlene Stensgard. Dir. de arte:
Peter Grant. Cenografia:
Simone Grau. Figurinos: Manon Rasmussen. Com: Nicole Kidman, Harriet Andersson,
Lauren Bacall, Jean-Marc Barr, Paul Bettany, Blair Brown, James Caan, Patricia
Clarkson, Jeremy Davies, Ben Gazarra, Philip Baker Hall, Siobhan Fallon, Udo
Kier, Miles Purinton, Bill Raymond, Chloë Sevigny, Stellan Skarsgard, Zeljko
Ivanek.
Na famélica, isolada e minúscula
Dogville, à época da Grande Depressão, a chegada da jovem foragida Grace
(Kidman), provoca uma reviravolta. Interessado e compadecido da forasteira, o
jovem Tom Edison (Bettany) convoca todos os moradores para um plesbicito e
aceita sua permanência por duas semanas. Nessas duas semanas, Grace conqusita
todos os moradores, escutando histórias do cego Jack McKay (Gazarra), cuidando dos
arbustos de Ma Ginger (Bacall), tomando conta dos filhos do casal Henson,
procurando contornar a hipocondria do pai de Tom (Hall) e ajudando nas lições
de piano de Martha (Fallon). Aos poucos, ela consegue conquistar até mesmo o
ranzinza Chuck (Skarsgard) e em duas semanas é aceita por unanimidade na
comunidade. Seus dias passam a ser maravilhosos e os habitantes de Dogville são
mais simpáticos com ela do que jamais o haviam sido. A lua-de-mel com a
comunidade começa a se desfazer após as crescentes investidas da polícia local,
quando Tom Edison lhe propõe trabalhar dobrado e ganhar menos do que
antes. Grace concorda, mas quanto mais se desdobra, mais os moradores
demonstram descontentamento. Uma crescente hostilidade passa a cerca-la,
apoiada em pequenas intrigas. Vera (Clarkson) a acusa de ter espancado seu
filho Jason (Purinton). Chuck a assedia até o ponto de estupra-la. Jack se
aproveita de suas idas a sua casa para por sua mão na sua perna. Indignada com
o nível de exploração em que vive e atormentada psicologicamente com a
possibilidade de ser entregue às autoridades, Tom articula um plano para a fuga
de Grace, no caminhão do verdureiro Ben (Ivanek), pagando com dez dólares que colheu nos cofres do pai. Porém, não só ela não consegue fugir, como é
estuprada por Ben e acusada de ter roubado o pai de Tom. Presa a um mecanismo
criado especialmente para controlar seus movimentos, Grace não só continua sua
árdua labuta diária como ainda é objeto sexual de todos os homens da vila.
Grace pede socorro a Tom Edison, o único que parece compreende-la e esse
realiza uma nova reunião, em que Grace exporá toda sua verdade sobre o que
vivenciou em Dogville. Os moradores não parecem sensibilizados com o exposto
por Grace e propõem sua expulsão. Tom, seu único aliado, passa a evita-la após
Grace ter lhe apresentado uma faceta de
sua personalidade que preferia manter encoberta. Lembra então do contato que o
gangster lhe oferecera caso ele tivesse notícia de Grace. Os gangsters aparecem
na cidade e o chefe deles (Caan) é nada menos que o pai de Grace, com quem essa
havia entrado em atrito. Após pensar, Grace acredita que o mundo se encontrará
melhor sem Dogville e ordena que os capangas do pai assassinem todos os
moradores e queimem a cidade.
Esse que é o primeiro de uma pretensa
trilogia de Von Trier intitulada “EUA – Terra de Oportunidades”, apresenta um
fascinante ensaio sobre as relações de poder, em que o irônico retrato que
esboça do Sonho Americano, que melhor poderia ser denominado de Pesadelo
Americano, pode servir como uma metáfora para a situação contemporânea da
exploração do trabalho de estrangeiros. Porém, mais fascinante que sua alusão
ao fascismo das relações cotidianas, encoberto inicialmente na idealização da
protagonista de um povo provinciano e de bom coração e que demonstra ser tão ou
mais selvagem que o gangsterismo de onde
proveio, numa visão excessivamente pessimista em relação à condição
humana, é o seu próprio senso de construção dramática. Filmado em um estúdio em
que uns poucos adereços cenográficos tornam-se o solo para a realização de toda
sua envolvente saga, o filme vem a ser uma comovente elegia a nossa capacidade
de abstração do que não é essencial – nesse caso, não é nem um pouco
fundamental a capacidade de mimetização do mundo que pode ser proporcionada
pelo cinema – para a construção de uma dramaturgia de forte impacto. Para
tanto, cumpre salientar a importância da afinadíssima interpretação do
talentoso elenco internacional, ao que se soma à narração permeada por uma seriedade jocosa de John
Hurt. Dedicado à memória de Katrin Cartlidge, que abandonou a produção pelos
problemas de saúde que a levariam à morte em curto tempo. 4 1/2/Alan Young Pictures/Canal +/Det Danske
Filminstitutet/Edith Film Oy/Film I Väst/Hachette Première/Isabella
Films/J&M Ent./KC Medien AG/Kushner-Locke Co./Kuzui Ent./Liberator
Prod./MDP Worldwide/Memfis Film&Television/Pain Unlimited GmbH/Q&Q
Medien GmbH/Sigma Films Lmtd/Slot Machine/Something Else/Summit Ent./SVT/Trollhättan
Film AB/Trust Films Svenka/What Else?/Zentropa Ent./Zoma Lmtd. 177 minutos.
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