Filme do Dia: A Palavra (1955), Carl Th. Dreyer

A Palavra (Ordet, Dinamarca, 1955). Direção: Carl Th. Dreyer. Rot. Adaptado: Carl Th. Dreyer, baseado na peça de Kaj Munk. Fotografia: Henning Bendtsen. Música: Poul Schierbeck. Montagem: Edith Schlüssel. Dir. de arte: Erik Aaes. Com: Henrik Malberg, Birgitte Federspiel, Emil Hass Christhensen, Cay Kristiansen, Preben Lerdoff Rye, Gerda Nielsen, Ove Rud, Ejner Federspiel, Henry Skjær, Sylvia Eckhausen, Ann Elisabeth Rud.
O velho fazendeiro Morten Borgen (Malberg) sofre com as crises de insanidade do filho Johaness (Rye), com a falta de fé do filho mais velho Mikkel (Christensen), com o desejo do filho mais jovem Anders (Kristiansen) de casar com a filha de seu rival Peter Petersen (Ejner Federspiel), Anne (Nielsen). Porém, quando sabe que o filho Anders é rejeitado por Peter para casar com sua filha, vai até sua casa tomar satisfações. Eles brigam e não chegam a nenhum acordo. No momento que já se encontra de saída recebe a notícia de que Inger (Birgitte Federspiel), sua nora querida, encontra-se com graves dificuldades com relação ao parto. Após muita tensão, o médico (Rud) afirma que ela se encontra fora de risco. Johannes, no entanto, avisa que a morte veio buscá-la. Inicialmente sem acreditar, Morten é avisado por Mikkel da morte da esposa. Johannes desaparece. No velório de Inger, Peter aparece, faz as pazes e oferece sua filha para Anders e Johannes reaparece e ao lado da filha de Inger e Mikkel, consegue ressucitá-la.
Essa talvez seja uma das mais pungentes reflexões sobre a fé na história do cinema e mais que uma provável influência nos dramas de Bergman que refletem sobre a perda da fé do início da década seguinte e na expressão heterodoxa da fé por parte do indivíduo no limite da razão em Tarkovski, sobretudo em seus dois últimos filmes. Ainda que exista uma evidente simpatia de Dreyer pelo personagem do patriarca Morten, com uma fé que acredita na vida e não na eterna auto-punição como o carola Peter, o próprio filme paradoxalmente é herdeiro dessa reflexão sobre a morte presente no cinema nórdico, tanto em boa parte da obra de Dreyer, como em Vampiro, quanto em outros mestres tais como Sjöstrom e, influenciado por estes, Bergman. A intensidade conseguida se deve muito a habitual contenção emocional de sua narrativa, ao seu ritmo pausado, assim como uma iluminação e fotografia excepcionais que realçam os tons claros, assim como as não menos prodigiosas interpretações do elenco como um todo, com destaque para o patriarca vivido por Malberg. Ainda que em alguns momentos as preocupações de Dreyer surjam de modo nítido na fala dos personagens, como na discussão que contrapõe valores religiosos e científicos entre o médico e o pastor, o que mais é expressivo no filme é justamente sua composição visual. A exemplo da seqüência final em que o milagre se dá literalmente de mãos dadas com uma criança e um louco, numa evidente alusão aos limites da racionalidade adulta viciada pelos costumes e pela gradual descrença que voltaria a ser contemporizada, ainda que de modo mais irônico, pelo cinema nórdico com Ondas do Destino (1998), de Lars Von Trier. Curiosamente, o único crédito presente na abertura é o da obra literária que já havia motivado uma adaptação doze anos antes, realizada certamente com chave bem diversa pelo realizador de melodramas Gustav Molander, com Sjöstrom no papel do patriarca. Leão de Ouro no Festival de Veneza.  Palladium Film. 126 minutos.

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