Filme do Dia: Sua Última Façanha (1962), David Miller


Sua Última Façanha (Lonely are the Brave, EUA, 1962). Direção: David Miller. Rot. Adaptado: Dalton Trumbo, baseado no romance de Edward Abbey. Fotografia: Philip H. Lathrop. Música: Jerry Goldsmith. Montagem: Leon Barsha. Dir. de arte: Alexander Golitzen & Robert Emmet Smith. Cenografia: George Milo. Com: Kirk Douglas, Gena Rowlands, Walter Matthau, Robert Kane, Carroll O´Connor, William Schallert, George Kennedy, Karl Swenson
      John “Jack” Burns (Douglas) é um errante inveterado que visita a mulher com quem teve um filho, Jerry (Rowlands), antes de se envolver numa briga que o levará a mesma prisão na qual se encontra o irmão de Jerry, Paul (Kane). Condenado a um ano de prisão, Jack foge na primeira noite, não conseguindo convencer Paul a ir consigo. Despede-se de Jerry e parte para as montanhas, mobilizando uma grande operação na sua captura, comandada pelo xerife Morey Johnson (Matthau). Conseguindo se desvencilhar de seus perseguidores, Jack e sua inseparável égua serão vítimas do caminhoneiro Hinton (O´Connor), que os atropela bem próximos da fronteira mexicana.
     Essa interessante reatualização do universo mítico do western e da nação americana, contrapondo a racionalização dos valores modernos (caracterizados em Jerry, sua mulher da costa leste e o irmão dela que após pensar, decide não fugir) com a bravura indômita de uma individualidade sufocada pelas armadilhas da modernidade, na figura de Jack, evoca a velha contraposição entre o jardim e o deserto, do célebre ensaio de Peter Wollen, a respeito do cinema de John Ford. É interessante se perceber que a exaltação nostálgica e romântica dos valores pioneiros e a pouca habilidade desses perante os códigos sociais modernos (Jack não possui nenhuma documentação e sua inadequação aos tempos modernos é simbolizada, sobretudo, na figura do cowboy que, após enfrentar inúmeras adversidades, acaba morrendo em uma prosaica travessia de uma rodovia), embora reivindicada, no caso, pela esquerda americana (Trumbo é um dos mais célebres roteiristas perseguidos pelo Macarthismo) é, em sua essência, conservadora. Tal mitologia permeia todo o cinema clássico americano, das comédias de Capra aos westerns de Ford e também foi representada, em sua vertente progressista, nos dramas liberais de Nicholas Ray, Richard Brooks, entre outros, onde advogados, professores e outros profissionais liberais [na dupla acepção do termo] pretendiam transformar a realidade social sem contar com qualquer apoio institucional. Tal individualismo, no caso em questão, já pode ser apreciado a partir do título original do filme.  Essa mesma ideologia pode ser, no final das contas, associada ao surgimento de milícias que pretendem ressaltar sua independência frente à legislação de um Estado com o qual não se identificam, na historia recente americana. Não deixa de ser instigante, porém, perceber-se que a estrutura que contrapõe, em montagem paralela até o final, as ações do cowboy e do caminhoneiro, tornem-se interessantes metáforas, ainda que inconscientes, do inevitável encontro trágico entre duas formas diversas de se compreender o mundo. Nesse acerto de contas, o lado mais frágil, que é o do cowboy, é exaltado a partir do momento em que já não se apresenta mais como uma ameaça relevante para a ordem instituída. Conseqüentemente, sua vida aventureira, excitante e sem obrigações rotineiras pode ser valorizada frente ao modorrento e massacrante cotidiano do entediado caminhoneiro. Um paralelo, em sua simbolicamente carregada seqüência final, pode ser efetuado com semelhante metáfora do conflito entre o arcaico e o moderno realizada por Glauber Rocha ao final de O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro. Joel Productions para a Universal. 107 minutos.

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