A política – e as cifras – de uma campanha ao Oscar

A política – e as cifras – de uma campanha ao Oscar

Fazer um filme com potencial para ganhar a estatueta é uma aposta arriscada – se o filme for indicado, a bilheteria dispara. Se não, as contas não fecham. Por isso, a competição pelo prêmio é acirrada, tal qual uma campanha política. Reunimos algumas das técnicas e dos números dos candidatos que já se arriscaram na disputa

RAFAEL CISCATI
28/02/2014 13h08 - Atualizado em 28/02/2014 19h24
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Cena do filme "O Lobo de Wall Street" com Leonardo di Caprio (Foto: Divulgação)
“Preciso ir a Washington apresentar o filme ao presidente Obama.” Foi assim que Leonardo DiCaprio se despediu, em dezembro, de um almoço com jornalistas. No domingo (2), DiCaprio concorrerá por uma estatueta de melhor ator no Oscar 2014 por seu papel em O lobo de Wall Street. É sua quarta indicação e, apesar dos apelos de fãs em todo o mundo – a internet enlouqueceu, nas últimas semanas, com montagens pedindo por sua vitória –, vencer não será tarefa fácil. Em meio a uma campanha acirrada pelo Oscar, a informação de que o presidente dos Estados Unidos se interessou pelo seu filme não soa nada mal.
Acredite – o comentário de DiCaprio não foi gratuito. O Oscar 2014 tem seus preferidos. Mesmo assim, a disputa deste ano já foi apontada como uma das mais acirradas da última década. Na categoria de melhor filme, as atenções estão divididas entre três candidatos fortes. 12 anos de escravidão, com sua temática histórica e forte carga dramática deve ganhar. Será uma vitória suada sobre os companheiros Trapaça eGravidade. Ao longo dos últimos meses, os três filmes arremataram as principais premiações concedidas por sindicatos de profissionais. 12 anos de escravidão eTrapaça ganharam o Globo de Ouro. Trapaçalevou o prêmio do Sindicato dos Atores e, numa situação inédita, 12 anos e Gravidadeempataram como melhor filme na opinião do Sindicato dos Produtores. Essas duas instituições reúnem diversos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que concede as estatuetas do Oscar. Sinal de uma competição dividida. Por isso, os candidatos tiveram de se desdobrar, disputando cada voto. Encontros com o presidente, aparições em programa de entrevista, festas e almoços com jornalistas: tal qual políticos em época de eleição, atores e diretores saíram em campanha.
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“A campanha pelo Oscar lembra muito o lobismo político”, diz Gabriel Rossman, professor do Departamento de Sociologia da Universidade da Califórnia (UCLA). Rossman estuda a forma como premiações influenciam o comportamento de diferentes indústrias. Em busca de algum benefício valioso – como uma estatueta do Oscar – pessoas do universo corporativo, cultural ou político, gastam dinheiro e recursos em grande quantidade, sem a garantia de que ganharão algo. As perdas podem ser grandes. É o que ocorre com os lobistas em Washington: nos Estados Unidos, onde o lobby político é legalizado e regulado, indústrias diversas despendem dinheiro e tempo no financiamento de campanhas políticas ou na elaboração de estudos de impacto fiscal, na esperança de, com isso, obter benefícios do Congresso na forma de leis. “É o que acontece com a indústria do algodão. O governo americano dá subsídios à produção nacional. Para conseguir isso, os lobistas precisaram gastam tempo e dinheiro”, afirma Rossman. Trata-se de um processo custoso e incerto: enquanto a indústria do algodão se beneficia de leis favoráveis, outras, que empreenderam esforços semelhantes, não recebem favor algum. “Esse processo é semelhante ao de uma aposta. Fazer um filme com potencial par ganhar o Oscar é algo parecido."
 
Michael Fassbender durante a o Globo de Ouro deste ano. Ele se recusou a participar da campanha pelo Oscar de 12 anos de escravidão: "Sou ator, não político" (Foto: Gabriel Olsen/Getty Images)

Os indicados ao Oscar, no geral, vendem bem. Pesquisas citadas por Rossman dão conta de que uma simples nomeação a melhor filme pode melhorar em mais 1.000% o desempenho nas bilheterias. Foi o que aconteceu com A hora mais escura, indicado a melhor filme em 2012. Saltou de modestos US$5,2 milhões para US$86,3 milhões depois da indicação. O salto faz crescer os olhos dos estúdios, mas criar filmes com apelo ao Oscar implica em riscos consideráveis. “Os filmes que são indicados não têm o perfil que o público, no geral, procura”, diz Grossman. Ele e o colega Oliver Schilke, também da UCLA, analisaram a temática e os principais assuntos abordados nos filmes indicados ao Oscar entre 1985 e 2009. Nesse período, a Academia privilegiou filmes que tratassem de quatro temas principais: biografias, com temática histórica, sobre guerra ou dramas. “Os filmes com apelo ao Oscar tendem a falar sobre corrupção política, crimes de guerra, aristocratas ou deficiências físicas”, diz Rossman. Assuntos que não costumam conquistar a atenção do público. Se a obra conseguir uma indicação, o prêmio virá na forma de boa bilheteria e prestígio artístico. Se não for indicado, corre o risco de ser esquecido.

Foi o que aconteceu em 2005 com Três Enterros, estrelado por Tommy Lee Jones. Comparado a O segredo de Brokeback Mountain, o filme era considerado um concorrente forte. Não foi indicado. Premiado, Brokeback Mountain amealhou US$83 milhões nos Estados Unidos. Três Enterros chegou a US$9 milhões com dificuldade.
Para evitar semelhante tragédia, estúdios gastam, em média, US$5 milhões em campanhas específicas para a premiação. O dinheiro é usado para contratar consultores que ajudem a melhorar a imagem do filme – ou piorar a dos adversários; na organização de festas e em gastos de viagens. Tudo para conquistar o apreço dos pouco mais de 5 mil profissionais que votam no Oscar. É justificável: “Posso passar o final de semana escrevendo poesia de vanguarda e tudo bem. Mas se eu gastar US$5 milhões ou US$200 milhões em um filme, é melhor que eu encontre um jeito de meus investidores recuperarem seu dinheiro”, diz Rossman.
 
Gwyneth Paltrow em cena de Shakespeare Apaixonado, filme vencedor do Oscar em 1998. Sua campanha, mais agressiva, fixou um novo patamar de gastos (Foto: Reprodução)
As campanhas pelo Oscar cresceram em agressividade com os anos. O responsável apontado por isso é Harvey Weinstein, cabeça da Weinstein Company e cofundador da produtora Miramax. Weinstein fez história quando, em 1998, conquistou o Oscar paraShakespeare apaixonado, tirando o prêmio do grande favorito daquela edição, O Resgate do soldado Ryan. Naquela época, as cifras das campanhas eram mais modestas.  Os US$5 milhões investidos pela Miramax fizeram os concorrentes se adaptar. Em entrevista em 1999 para o jornal The New York Times, Jeffrey Katzenberg, cabeça da Dreamworks (o estúdio que lançou o Soldado Ryan) contou que os gastos de Weinstein fizeram a Dreamworks investir mais.
Neste ano, para promover Philomena – candidato a melhor filme, melhor roteiro adaptado e melhor atriz – Weinstein conseguiu que Philomena Lee, a mulher que inspirou o filme, fosse a Washington discutir reformas no sistema de adoção. Isso poucas semanas depois de as indicações serem anunciadas. A estratégia causou burburinho e chamou atenção positiva para o filme.
Em 2014, a disputa se aqueceu nas categorias de melhor filme de língua estrangeira e melhor documentário de longa-metragem. Ocorre que a Academia mudou as regras: para votar nessas categorias, não é mais preciso que os votantes assistam aos filmes no cinema. A própria Academia se encarregou de enviar DVDs com os concorrentes para as casas de seus membros. Teoricamente, isso amplia e torna a votação mais justa. Na prática, ter o DVD em casa não significa assistir à obra: “Infelizmente, isso forçou as produtoras e distribuidoras envolvidas com esses filmes a adotar estratégias mais agressivas”, afirma Fredell Pogodin, dona de uma empresa de relações públicas especializada na promoção de filmes independentes. A empresa de Pogodin representa a Magnolia Pictures, distribuidora do filme dinamarquês The hunt, na disputa por melhor filme estrangeiro. Com a mudança da regra, as distribuidoras precisam se preocupar em chamar a atenção de um número maior de votantes – e com gente que vota sem de fato ver o filme, amparado nas opiniões que leu nos jornais.
>> Os indicados ao Oscar 2014

Nem todo mundo recebe feliz a obrigação de bancar o político em campanha. Para atores e diretores, essa pode ser uma posição um bocado desconfortável. Tem quem revele o desgosto: Michael Fassbender, indicado a melhor ator coadjuvante por 12 anos de escravidão, recusou-se à participar da campanha pelo prêmio. Em entrevista à revista GQ, disse, simplesmente: “Eu não sou um político. Eu sou um ator”. Em Hollywood, esses papéis se misturam.

A briga é feia. Como assegurar uma estatueta? Reunimos abaixo cinco dicas postas em prática em campanhas anteriores pelo Oscar. Boa parte delas foi adotada pelo próprio Harvey Weinstein, um veterano vencedor. Com elas, um filme pode até não ganhar, mas não fará feio.

1- Escolha um tema vencedor

A disputa pelo Oscar começa na estratégia adotada pelas produtoras para decidir qual filme levar às telas. Entre 1985 e 2009, segundo a pesquisa de Rossman, a Academia privilegiou filmes que investiam em certos temas: drama, guerra, de caráter biográfico e sobre intrigas políticas são candidatos fortes.
2- Estreie no momento certo

Filmes que estreiam no final do ano, próximo ao anúncio dos indicados, tendem a colher benefícios. Estão frescos nas cabeças dos votantes. Pode ser de bom tom, no entanto, estrear mais cedo e organizar exibições em festivais prestigiados, como os de Veneza, Telluride e Toronto.
3 - Festeje

Festas com celebridades e personalidades políticas despertam a atenção dos votantes e geram boa publicidade. A própria Academia tentou conter a garra dos concorrentes quando, em 2011, limitou o número de festas que os estúdios poderiam dar entre o anúncio dos indicados e a cerimônia de premiação. O resultado: as festas, agora, começam antes da indicação.

4- Consiga o apoio de pessoas com relevância política

Para prover O lado bom da vida, em 2013, Weinstein contratou Stephanie Cutter, consultora política que ajudou a eleger Obama. Sem admitir que trabalhava com a produtora, Cutter fez aparições em programas de TV para falar bem do filme, e escreveu em sua conta no twittter.

5- Gaste

Ninguém ganha dinheiro sem gastar dinheiro. A aposta por uma estatueta envolve altos riscos. Por isso, melhor fazer as coisas como se deve. Weinstein notou a importância dos gastos em 1990, ao promover Meu pé esquerdo. “A única coisa que fizemos para mudar as regras foi adotar uma campanha de guerrilha, em vez de simplesmente sentar e esperar alguém nos vencer porque tinha mais dinheiro, mais poder e mais influência”, disse no livro Down and dirty pictures, do jornalista Peter Biskind.

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