Filme do Dia: As Oito Vítimas (1949), Robert Hamer
As Oito Vítimas (Kind Hearts and Coronets, Reino Unido, 1949). Direção: Robert Hamer. Rot. Adaptado: Robert Hamer & John Dighton, a partir do romance de Roy Horniman. Fotografia: Douglas Slocombe. Música: Ernest Irving. Montagem: Peter Tanner. Dir. de arte: William Kellner. Figurinos: Anthony Mendleson. Com: Dennis Price, Valerie Hobson, Joan Greenwood, Alec Guiness, Audrey Fildes, Miles Malleson, Clive Morton, John Penrose.
Na
Inglaterra eduardiana, após todas as humilhações de uma vida humilde com sua
mãe (Fildes), nunca reconhecida como uma aristocrata da família D’Ascoyne,
Louis Mazzini (Price), após a morte dessa e desempregado como balconista de uma
loja de artigos de vestuário de luxo depois de desancar com um membro da família, o Duque
(Guiness), decide planejar cuidadosamente a morte de todos aqueles que se
encontravam na linha de sucessão ao título, a começar pelo próprio Duque. Após
a morte desse em companhia de sua noiva, o banqueiro da família (Guiness), pai
do Duque, tocado pelo drama pessoal, decide abrir uma concessão e receber
Louis, aassim que esse manda uma carta de condolências pela morte do filho. E
ainda consegue-lhe um emprego de gerência no banco que lhe trará 5 libras de
rendimento mensal, fazendo com que sua amada de infância, Sibella (Greenwood),
de casamento já marcado com o aparentemente mais promissor Lionel (Penrose),
vacile. Louis se aproxima então do D’Ascoyne (Guiness) fotógrafo. Após sua
morte, torna-se o melhor amigo e consolo para a viúva, Edith (Hobson), por quem
Louis passa a nutrir uma afeição especial, sem deixar de vivenciar seus
encontros fortuitos com Sibella, desde o início do casamento considerando que
fizera a opção errada ao se casar com o então mais rico Lionel. Novas mortes o
aproximam de se tornar o próximo Duque, como afirma o próprio banqueiro que o
acolheu como filho e aos poucos o impulsiona em lenta e irrestrita ascensão
social, até transformá-lo em seu próprio sócio. Esse morre de derrame, o que poupa
Louis de mata-lo, afinal não deixava de nutrir consideração por ele, sobrando
agora apenas o próprio Duque.
Esta
deliciosamente cínica comédia parece ser um dos pontos altos, senão o pico, do
humor britânico fortemente vinculado ao estúdio que a produziu. Fazendo uso de
ecos distantes (voz over confessional articulando a narrativa, trama baseada em
crimes) do gênero mais cínico contemporâneo (o noir) em uma narrativa de época, Hamer apresenta um retrato de
ressentimento de classe de tinturas algo machadianas, antecipando em décadas
produções similares de realizadores marcados por um excesso de estilo,
virtuosismo técnico e pretensão como o Kubrick de Barry Lyndon (1975). Há cenas francamente hilárias, como a de Louis
traduzindo a um dialeto que não faz a mínima ideia, a passagem de Daniel na
Cova dos Leões para um atônito pastor, chocado com a guturalidade da invenção
grostesca feita no momento por Louis. O trabalho dos atores irrepreensível,
sendo Guiness mais bem sucedido na sutileza da encarnação de seus oito
personagens (um deles feminino, que consegue se sair muito bem igualmente)
melhor resultado que as incursões posteriores de um compatriota seu, Peter
Sellers. Sem falar que talvez seja o filme fundamental da carreira do ótimo
Dennis Price. Seu cinismo, extremamente incomum no cenário contemporâneo de
então, pode soar bastante atrativo ao espectador de décadas após, como o
diálogo em que Louis afirma a Sibella, quando pretende se livrar dela, que
“servimos um ao outro”, portanto nada devendo entre si senão a saciedade de
seus próprios desejos. Tão divertida vem a ser sua narrativa dos fatos que o
levaram a prisão e condenação à morte, que mesmo com a presença constante da
voz over, a nos fazer lembrar sua matriz narrativa, pode-se esquecer que o que
assistimos se situa como um longo flashback. Seu final, faz jus a
engenhosidade de sua trama, marcada pela impassível frieza de seu protagonista.
Ealing Studios/Michael Balcon Studios para GFD. 106 minutos.

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