Filme do Dia: Passado que Condena (1954), Alberto Lattuada
Passado que
Condena (La Spiaggia, Itália/França, 1954). Direção: Alberto Lattuada.
Rot. Original: Alberto Lattuada, Luigi Malerba, Rodolfo Sonego & Charles
Spaak, a partir do argumento de Lattuada. Fotografia: Mario Craveri. Música:
Piero Piccioni. Dir. de arte: Dario Cecchi. Figurinos: Maurizio Chiari. Com:
Martine Carol, Raf Vallone, Mario Carotenuto, Carlo Romano, Clelia Matania,
Carlo Bianco, Nico Pepi, Mara Berni, Anna Gabriella Pisani, Zina d’Harcourt.
Anna
Maria (Carol) reencontra com a filha, Caterina (Pisani), criada por freiras, na
estação. Ela comprou passagem para que viajem a um balneário famoso da Riviera
italiana. Próximo de lá chegar, no entanto, o prefeito de Pontorno, Silvio
(Vallone), faz com que ela e outros que viajaram próximos, desembarquem do trem
na cidade que antecede a que ficariam e que vem a ser, evidentemente, Pontorno.
La Anna Maria convive com tipos diversos, tendo seu quarto ladeado pelo da
midiática Condessa Azzurra (d’Harcourt) de um lado, e pelo fanfarrão Carlo
Albertocchi (Carotenuto) do outro. Vigiando a tudo e a todos na praia, o
circunspecto e rude milionário e voyeur Chistrino (Bianco).
Não
é preciso muito para que se adivinhe, bem antes que o próprio filme explicite,
que Anna Maria é ou foi prostituta. Mesmo que não houvesse o chamativo título
em português, há o encontro inicial com duas freiras na estação, com quem ela
revê sua filha. É meio deselegante a forma como se edifica o filme. Parte-se do
ponto de vista de Anna Maria, mas a partir de um momento, observa-se a
intimidade de vários dos veranistas, à guisa de uma crítica de costumes. E embora
exista um aspecto positivo nisso tudo, que é o de traçar um pouco do ambiente
de uma coletividade em férias de verão em um pequeno balneário italiano,
demonstra igualmente uma grande dispersão em suas eventuais subtramas. Há a sensualidade possível para sua época.
Caso da “condessa” que se adivinha nua,
ao menos do torso para cima, mas devidamente coberta e os corpos nos trajes de
banho da época, os das mulheres bem mais recatados maiôs que os calções cavados
masculinos. Ou o rapaz que ameaça entrar com sua paquera em uma cabine de banho
quando a chuva chega forte. E, no momento em que flagramos as pessoas a se
arrumaram para o segundo round do momento de veraneio, à noite, podemos
perceber que um interesse por temas que apresentem crescentemente voyeurismo,
malícia e curiosidade sobre a sexualidade provavelmente se tornaram recorrência
na obra de seu realizador. Avançando, com a mudança dos costumes. E, sendo prostituta como é, Anna Maria deve
ser apresentada de forma simpática e virtuosa (algo que Fellini, a seu modo,
fará contemporaneamente de sua Gelsomina em A Estrada da Vida), ou seja,
passar por um processo de polimento que, ao mesmo tempo que aponte com certa
facilidade as hipocrisias provincianas da sociedade italiana, não deixe de ser
capturadas por essa. Então observamos Anna Maria dividida entre o desejo por
Silvio e o zelo maternal, em plena noite festiva, ganhando o segundo. E a
proximidade do realizador de Fellini pode ser demarcada no gosto pelos tipos,
embora nas mãos de Fellini, sobretudo alguns anos após, uma figura como a
Condessa Azzurra ou Albertocchi seriam hiper-caricaturados visualmente. Compartilha uma visada em cores da Europa
turística e cartão-postal em Technicolor dos filmes hollywoodianos da época
assinados por Jean Negulesco, no momento em que a produção A italiana aderia às
cores (mais modestas que o Technicolor, diga-se de passagem, aqui o nacional
Ferraniacolor), mas pode-se dizer que há vez por outra um comentário que mais
parece brotar de algum recalque neorrealista – caso sobretudo da cena em que
numa rua vazia e cheia de lixo após todo o frisson dos consumidores e seus
sonhos de diversão, observa-se um cortejo de catadores de lixo. E, ainda mais,
ousa em seu surpreendente final, praticamente impossível de ser pensado em um
equivalente hollywoodiano de seu tempo. Sua trilha sonora, insistente e pouco
criteriosa, está longe de ser algo que se some positivamente ao conjunto.
Luciano Emmer havia antecipado em quatro anos (e em p&b) o tema de um grupo
de veranistas enquanto possibilidade, em alguma medida, para um
comentário/crítica social em seu Domingo de Agosto. Gama Film/Titanus
para Titanus. 102 minutos.
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