Filme do Dia: Gertrude (1964), Carl Th. Dreyer



Gertrude (Dinamarca, 1964). Direção: Carl Th. Dreyer. Rot. Adaptado: Cart Th.Dreyer, baseado em peça homônima de Hjalmar Söderberg. Fotografia: Henning Bendtsen. Música: JǾrgen Jersild. Montagem: Edith Schlüssel. Dir. de arte: Kai Rasch. Figurinos: Fabielle & M.G.Rasmussen. com: Nina Pens Rode, Bendt Rothe, Ebbe Rode, Baard Owe, Axel Strǿbye, Vera Gebuhr, Anna Malberg, Edouard Mielche.
No final do século XIX, Gertrud (Rode) decide se separar do marido, Gustav Kanning (Rothe), no momento em que ele se encontra em vias de se tornar Ministro do Estado, por conta da indiferença do mesmo com relação aos sentimentos, pretendendo se unir ao jovem pianista Erland Jansson, que é seu amante. Gertrud toma conhecimento através de um antigo amor, o renomado Gabriel Lidman (Rode), que Erland falara abertamente de sua relação com Gertrud em uma taverna de má fama. Ainda assim, Gertrud decide insistir com Erland, porém ele afirma que não iria acompanhá-la e que já possuía uma amante mais velha grávida a qual se uniria. Chocado com a situação em que o grande amor de sua vida se encontrava, Gabriel pede que Gertrud se junte a ele. Ela, no entanto, afirma que a carreira profissional dele e sua crescente celebridade se tornara um impedimento para que o amor deles tivesse vingado. O marido decide aceitar seu envolvimento com Erland, mas implora a permanência de Gertrud a seu lado. Gertrud, no entanto, decide partir para Paris e se juntar ao grupo de psicanálise de seu amigo Axel (Strǿbye).
Assim como em A Palavra (1955) Dreyer radiografara como poucos no cinema o sentimento de fé, aqui ele faz o mesmo com relação ao amor. Sua adaptação da peça de Söderberg é ainda mais ascética e distanciada emocionalmente, provavelmente servindo de inspiração para as protagonistas femininas dos dramas históricos de Fassbinder como em Effi Briest (1974), ainda que, ao contrário do cineasta alemão, distanciando-se da ironia. Nesse sentido, não existe qualquer alusão ao fato do marido de Gertrud querer manter a união apenas por conta de seu novo status no meio político e a própria Gertrud intui que ele a quer para aos poucos tentar reconquista-la. O sentimento de solidão vivido pela protagonista e a sua impossibilidade de se resignar em ser a segunda opção nas carreiras profissionais dos homens que se envolveu, como é o caso de Gabriel e Gustav, levam a um mundo de completa esterilidade afetiva porém nem por isso menos crente no poder do amor. Pelo contrário, Gertrud acredita tanto e é tão fiel ao que ele acredita ser o amor que é incapaz de se resignar com o que acaba sendo a realidade concreta dos seus relacionamentos. Pode-se imagina-la como expressão de certos ideais pregados pelo romantismo, porém se afastando desse tanto na sua relativa contenção emocional diante do sofrimento amoroso quanto na sua autoconsciência diante de sua própria encruzilhada, característica já bem mais próxima da psicanálise que abraçará nos anos finais de sua vida. Entre outros momentos dignos de nota, encontra-se o do desabafo de Gabriel  à própria Gertrud sobre o choque entre a sua idealização romântica da pessoa dela e a sordidez do mundo da pura sexualidade no qual seu nome é evocado, uma das mais viscerais representações do desmascaramento das convenções sociais expondo dois seres a mais cruel aceitação ou recusa do fim de suas ilusões quanto ao amor. Ou, ao menos, do fim da ilusão da possibilidade de vivenciá-lo concretamente e a relativa serenidade advinda do fato, como é o caso da protagonista. A composição das cenas (e aí talvez seja outra influência não menos digna de nota no filme de Fassbinder) é, marca característica do universo de Dreyer, guiada pela forte acentuação dos tons em branco. Tampouco deve se deixar de perceber a coreografia precisa dos movimentos dos atores e de seus corpos, sendo sua sutileza buscada igualmente por Fassbinder em filmes como Roleta Chinesa, ainda que em Dreyer o trabalho de câmera não entre igualmente na ciranda, construindo situações aparentemente mais suaves e “espontâneas” que as do cineasta alemão. Prêmio Fipresci no Festival de Veneza e último filme de Dreyer. Palladium Film. 119 minutos.

Postada originalmente em 29/11/2015


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