Filme do Dia: Demônio de Mulher (1954), George Cukor
Demônio de
Mulher (It Should Happen to You, EUA,
1954). Direção: George Cukor. Rot. Original:
Garson Kanin. Fotografia: Charles Lang. Música: Friedrich Hollaender. Montagem: Charles
Nelson. Dir. de arte: John Meehan. Cenografia: William Kiernan. Figurinos: Jean
Louis. Com: Judy Holliday, Peter Lawford, Jack Lemmon, Michael O´Shea, Vaughn
Taylor, Connie Gilchrist, Walter Klavun, Whit Bissell.
Gladys Glover (Holliday) é uma ingênua
provinciana que tenta a todo custo a fama em Nova York. O meio que ela acredita
conquistar o sucesso é o de gastar todas as suas economias para anunciar seu
próprio nome em um gigantesco outdoor. O fato de alugar por três meses um local
privilegiado faz com que o espaço acabe despertando a cobiça do poderoso Evan
Adams III (Lawford), que involuntariamente lhe torna famosa. Convidada a
participar de programas de TV e a fazer publicidade, Glover agora pouco tempo
possui para o pretendente a namorado Pete Sheppard (Lemmon), documentarista.
Após assistir um depoimento carinhoso de Pete para ela, Gladys decide mudar o
rumo de sua própria história, abandonando sua carreira e decidindo se casar com
ele.
Essa aparentemente tola comédia guarda
dentro de si uma engenhosa reflexão sobre o mundo da publicidade e os
mecanismos da fama, capazes de gerar ícones a partir do mais absoluto vazio,
tema recorrente na sua década, encontrando-se à altura das obras mais
interessantes produzidas nos anos 50 sobre semelhante motivo (Em Busca de um Homem, Giants and Toys). Poucos cineastas
hollywoodianos do período se mantiveram tão obcecados em investigar os
mecanismos da fama através de melodramas calcados na instabilidade profissional
e afetiva das estrelas de cinema (Nasce uma Estrela), o que também vale para Stuart Heisler (Lágrimas Amargas)
ou como aqui, fazendo uso de todo um receituário convencional no qual os bons
sentimentos, no sentido melodramático mais amplo, são os agentes motores da
heroína contra o a vil engrenagem do estressante mundo do entretenimento.
Cukor, porém, consegue instilar muita de sua perspicácia ao longo de todo o
filme, sendo que o próprio paradoxo das imagens pode servir como mote para sua
crítica. Enquanto as imagens produzidas para os anúncios publicitários são o
suprasumo da alienação e falta de comprometimento pessoal o cinema, sobretudo o
documental e realizado amadoristicamente e com pouco dinheiro é o lado oposto
da moeda. Confrontação que ganha seu momento de destaque quando Gladys sucumbe
a inquietação com relação ao próprio papel que exerce, a partir do momento que
encontra entre as lentes que a filmam para uma peça promocional junto ao
exército as do próprio Pete Sheppard,
que desnudam toda a hipocrisia do evento. O filme toca rapidamente em muito do
que viria a ser posteriormente produzido e escrito sobre o universo da
televisão tal como a tendência a se utilizar comercialmente da “vida real”
enquanto elemento espetacular no melhor estilo reality show – a proposta de se realizar um programa sobre o
noivado de Gladys com Pete. Ou ainda o testemunho pessoal endereçado a pessoa
homenageada através da câmera – evidentemente de cinema, refletindo mais uma
vez o seu papel moralizador e diferenciado; quase como se o filme de não ficção
representado pelo documentarista vivido por Lemmon, em sua estréia no cinema,
representasse um estilo de cinema que começava a se destacar por seu realismo e
se contrapusesse a um outro, mais próximo da franca alienação da televisão e da
publicidade. Ainda que tampouco o filme consiga ir em completa oposição ao
modelo que critica, tendo que fazer uso do mesmo para poder se viabilizar, ao
contrário, por exemplo, da crítica mais ferina e visceral do japonês Giants and Toys, que fecha sem qualquer
possibilidade de compensação final. Final, aliás, bastante condizente com a
aprovação de um modelo familiar partriarcal convencional, no qual a figura da
mulher se desfaz de qualquer pretensão de carreira individual, a partir do
momento que opta pelo casamento. A figura feminina aqui tampouco ganha um
amadurecimento equivalente, sendo interessante apenas enquanto apelo sentimental,
já que o próprio Pete Sheppard é o primeiro a destacar sua falta de qualidade
intelectual a quem quer que seja, algo um tanto misógino em se tratando da
própria companheira que escolheu viver. Nada mais distante do filme de
Masumura. Muito de sua engenhosidade se deve certamente ao roteiro de Kanin,
habitual colaborador de Cukor, sendo que ambos já haviam transformado Holliday
em estrela com Nascida Ontem (1950).
A referência a guerra dos sexos presente em suas mais anêmicas e
sobrevalorizadas “comédias malucas”, tais como A Costela de Adão (1949), assoma aqui nas breves referências as
intrigas do casal Pete e Gladys. É bastante contrastada as seqüências que fazem
uso de tomadas em locação com evidentes encenações em estúdio com back shot, algo padrão na produção do
período. Columbia Pictures. 86 minutos.
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