Guia Crítico de Diretores Japoneses#5: Kenji Mizoguchi
MIZOGUCHI, Kenji (16 de maio de 1898 - 23 de agosto de 1956)
溝口健二
Um dos maiores realizadores japoneses, Mizoguchi conquistou reconhecimento internacional somente nos últimos anos de sua vida, quando os festivais europeus começaram a exibir seus filmes de época melancólicos, belos e serenamente comoventes. Estas últimas obras permanecem suas mais conhecidas, mas formam somente parte de uma obra de insuperável variedade, graça, e complexidade, que remonta à era muda. A obra de Mizoguchi nos anos vinte é quase totalmente perdida, mas algumas resenhas e sinopses sobreviventes sugerem um ecletismo considerável e abertura a influência do Ocidente: nesse sentido, Kiri no Minato (Foggy Harbour, 1923) foi uma versão de Anna Christie; enquanto Chî to Reî (Blood and Soul, 1923), imitava as técnicas do Expressionismo Alemão. Dentro de poucos anos, no entanto, Mizoguchi havia se voltado rumo a temas nativos japoneses: Nihonbashi (1929), Taki no Shiraito (Feiticeira das Águas, 1933), e Orizuru Osen (A Perdição de Osen, 1934), adaptando histórias shinpa do romancista melodramático Kyōka Izumi. Os últimos dois destes, dos quais cópias afortunadamente foram preservadas, possuem uma notável intensidade emocional; além do que, a despeito da aderência deles a dramaturgia convencionalizada do shinpa, desenvolvem em germe a capacidade para o detalhe ricamente atmosférico e sua permanente preocupação com a opressão das mulheres.
Durante o período silencioso, Mizoguchi também contribuiu para o gênero esquerdista keikō-eiga com Shikamo Karera wa Yuku (1931); esta história de uma mãe e filha forçadas à prostituição foi admirada por sua crescentemente direta crítica social. O próprio Mizoguchi, no entanto, sentia que não teria alcançado maturidade artística antes do extraordinário díptico Naniwa Erejii (Elegia de Osaka, 1936) e Gion no Kyōdai (As Irmãs de Gion, 1936), estórias das vidas difíceis de uma garota moderna de Osaka e de uma gueixa de Kyoto, respectivamente. Aqui, o maior realismo do som permitiu-o ancorar sua preocupação com a experiência feminina em uma recreação mais exata e detalhada do meio e da cultura; As Irmãs de Gion, particularmente, dissecou seu tema com a precisão de um escalpo. Nestes filmes e nos menos conhecidos, mais no igualmente notável companheiro Aien Kyō (1937), ele desenvolveu um estilo austero e contemplativo, caracterizado pelo uso do plano-sequencia e da tomada prolongada, que expunha os mecanismos repressivos da sociedade japonesa com clareza extraordinária.
Pelo final dos anos 30, o poder crescente do militarismo forçou Mizoguchi a abandonar sua crítica social, mas ele continuou suas experimentações formais em uma sequencia de melodramas sobre as artes cênicas, incluindo o perdido Naniwa Oona (1940), que marcou sua primeira colaboração com a atriz Kinuyo Tanaka e o irresistivelmente emocional Zangiku Monogatari (Crisântemos Tardios, 1939), que criativamente mesclava técnicas vanguardistas com dramática tradicional, em sua história de uma mulher que direciona seu amante ator à grandeza às custas de sua própria vida. Mesmo sua versão de veterana história de guerra patriótica Genroku Chûsinghura [A Vingança dos 47 Ronins, 1941-42), executado a pedido oficial, foi um exótico exercício de mise-en-scène, a delicadeza e a contenção do qual, de alguma forma subvertendo suas intenções propagandísticas.
Durante a Ocupação, adaptado aos preceitos aliados com relação à democratização, examinou temas de justiça social e e liberdade pessoal em filmes sobre arte (Utamaro o Meguru Gonin no Oona/Utamaro e Suas Cinco Mulheres, 1946), direito (Josei no Shôri/A Vitória das Mulheres, 1946), teatro (Joyû Sumako no Koi/O Amor da Atriz Sumako), prostituição (Yoru no Onnatachi/Mulheres da Noite, 1948), e política (Waga Koi wa Moenu/Chama de Meu Amor). Estes se encontram entre os filmes mais sinceros de Mizoguchi. Chama de Meu Amor, em particular, foi um supreendentemente incisivo estudo sobre emancipação feminina e uma exposição das complacências do pensamento liberal; sua conclusão, com a heroína abandonando seu marido político mulherengo para fundar uma escola feminista, permanece sem equivalentes no cinema popular ocidental. Utamaro e Suas Cinco Mulheres, por outro lado, foi a obra mais jovial de Mizoguchi: o retrato de um artista e o panorama ricamente atmosférico da vida na Era Edo, analisando a intricada relação entre o artista e a sociedade.
Nos seus últimos anos, Mizoguchi continuou sua investigação da experiência feminina em uma ampla variedade de contextos sociais: Yuki Fujin Ezu (O Retrato da Senhora Yuki, 1950), Oyū-Sama (Senhorita Oyū, 1951) e Musashino Fujin (Senhora Musashino, 1951), foram estudos de vidas emocionais problemáticas de mulheres burguesas, enquanto Gion Bayashi (A Música de Gion, 1953), Uwasa no Oona (A Mulher Infame, 1954) e Akasen Chitai (A Rua da Vergonha, 1956), focavam no sofrimento de gueixas e prostitutas. Estes filmes foram penetrantes análises sociais e psicológicas, dramatizando os motivos interrelacionados e as pressões que modelam o comportamento humano. Especialmente admiráveis foram O Retrato da Senhora Yuki, estudo pungente do poder destrutivo do impulso sexual, com um olhar ansioso para as conotações simbólicas da água, e A Mulher Infame, exame complexo das relações familiares dentro da casa de uma gueixa, em que a economia e o poder exploravam o declínio no pós-guerra do sistema de gueixas e a corrupção dos sentimentos humanos por prioridades financeiras.
Ao mesmo tempo, Mizoguchi ensaiou adaptações literárias, ambientadas no passado, que examinavam o papel do indivíduo na história e os efeitos da sociedade sobre este, através das experiências das figuras masculinas e o sofrimento das mulheres. Os melhores dentre estes foram Saikaku Ichidai Oona (Oharu, A Vida de uma Cortesã, 1952), uma crônica impassível do declínio e queda de uma cortesã; Ugetsu (Contos da Lua Vaga Após a Chuva, 1953), uma história assustadora de fantasmas, que faz uso do sobrenatural como metáfora para o desejo humano de se evadir da realidade e das responsabilidades; Sanshô Dayû (O Intendente Sansho, 1954), um panorama histórico centrado no esforeço de um homem de manter sua decência inata em face da crueldade humana. Levemente mais acadêmicos na abordagem, mas ainda assim notáveis, foram a adaptação bunraku, Chikamatsu Monogatari (Os Amantes Crucificados, 1954), e o épico do período Heian, Shin Heike Monogatari (A Nova Saga do Clã Taira, 1955). Diversos em termos temáticos, estes filmes posteriores foram unificados pelos estilo maduro de Mizoguchi, influenciado pela pintura tradicional, mas fazendo uso mínimo da montagem, coreografias exóticas dos atores e complexos movimentos de câmera, para um efeito completamente cinemático. Notável por sua beleza, este estilo também conquistou uma profundidade de implicações ímpar, imbuindo cenas tais como a do assassinato da heroína em Contos da Lua Vaga Após a Chuva, ou a reunião final em O Intendente Sansho, com uma intensidade catártica, que ocasionalmente mereceu comparações com Shakespeare.
No Ocidente, a diferença de opiniões existe, assim como o valor relativo das obras de Mizoguchi em diferentes períodos: a linha tradicional e liberal humanista, exemplificada mais recentemente pela crítica de Mark Le Fanu, exalta a obra posterior por sua complexidade moral, poder dramático e beleza visual; a linha formalista, representada por Noel Burch, prefere os filmes do pré-guerra, por suas qualidades formais supostamente mais radicais; enquanto críticas feministas, como Freda Freiburg, tem apreciado os filmes mais abertamente políticos do momento do imediato pós-guerra. Meu sentimento próprio é que obras primas foram produzidas ao longo da carreira de Mizoguchi, e que narrativas explicitamente feministas como As Irmãs de Gion e A Mulher Infame permanecem satisfatórias, tanto dramática quanto politicamente; por outro lado um senso de ultraje contra a opressão permanece evidente em Oharu, Contos da Lua Vaga Após a Chuva e O Intendente Sansho.
Os colaboradores de Mizoguchi não devem ser subestimados; suas façanhas estão fundamentadas, em não pequena monta, nas sutis interpretações de Kinuyo Tanaka e Isuzu Yamada, nos complexos roteiros de Yoshikata Yoda, e na rica fotografia de Kazuo Miyagawa. De fato, a colaboração artística foi o tema de Utamaro e suas Cinco Mulheres, onde a imagem do artista pintando as costas nuas de uma cortesã, parece emblemática da abordagem de Mizoguchi. Não obstante que as conquistas de Mizoguchi tenham sido pessoais e únicas sua obra inclui, dentre muitos distintos, ao menos meia dúzia neste ranking, por sua beleza, delicadeza e humanidade, entre as conquistas supremas do cinema mundial.
1923 Ai ni yomigaeru hi / The Resurrection of Love
Kokyō / Hometown
Seishun no yumeji / The Dream Path of Youth
Jōen no chimata / City of Desire
Haizan no uta wa kanashi / Sad Song of Failure
813 / 813: The Adventures of Arsène Lupin
Kiri no minato / Foggy Harbor
Yoru / The Night
Haikyo no naka / In the Ruins
Chi to rei / Blood and Soul
Tōge no uta / Song of the Mountain Pass
1924 Kanashiki hakuchi / The Sad Idiot
Akatsuki no shi / Death at Dawn
Gendai no joō / The Queen of Modern Times
Josei wa tsuyoshi / Women Are Strong
Jinkyō / This Dusty World
Shichimenchō no yukue / Turkeys in a Row /
Itō junsa no shi / The Death of a Police Officer )
Samidare zōshi / Chronicle of the May Rain
Koi o tatsu ono / Love-Breaking Axe (co-direção)
Kanraku no onna / A Woman of Pleasure
Kyokubadan no joō / Queen of the Circus
1925 Ā tokumukan Kantō / Ah, Special Battleship Kanto (co-direção)
Uchien Puchan (algumas vezes intitulado como “Musen Fusen” and e traduzido erroneamente como “No Money, NoFight”; na verdade é um título em chinês)
Gakusō o idete / Out of College
Daichi wa hohoemu: Daiichibu / The Earth Smiles: Part 1
Shirayuri wa nageku / The White Lily Laments
Akai yūhi ni terasarete / Shining in the Red Sunset
Furusato no uta / The Song of Home
Shōhin eigashū: Machi no suketchi / Street Sketches (co-direção)
Ningen / The Human Being
Nogi Taishō to Kuma-san / General Nogi and Kuma-san
1926 Dōkaō / The Copper Coin King
Kaminingyō haru no sasayaki / A Paper Doll’s Whisper of Spring
Shinsetsu ono ga tsumi / My Fault, New Version
Kyōren no onna shishō / Passion of a Woman Teacher
Kaikoku danji / The Boy of the Sea
Kane / Money
1927 Kōon / The Imperial Grace
Jihishinchō / The Cuckoo
1928 Hito no isshō: Jinsei banji kane no maki / A Man’s Life: Money Is Everything in Life
Hito no isshō: Ukiyo wa tsurai ne no maki / A Man’s Life: This Floating World Is Hard
Hito no isshō: Kuma to Tora saikai no maki / A Man’s Life: Bear and Tiger Meet Again
Musume kawaiya / My Lovely Daughter
1929 Nihonbashi / Nihonbashi / Bridge of Japan
Asahi wa kagayaku / The Morning Sun Shines (co-director)
Tōkyō kōshinkyoku / Tokyo March/A Marcha de Tóquio
Tokai kokyōkyoku / Metropolitan Symphony
1930 Fujiwara Yoshie no Furusato / Hometown/Terra Natal
Tōjin Okichi / Okichi, Mistress of a Foreigner
1931 Shikamo karera wa yuku (Zenpen; Kōhen) / And Yet They Go On (Parts 1 and 2)
1932 Toki no ujigami / The Man of the Moment
Manmō kenkoku no reimei / The Dawn of Manchuria and Mongolia
1933 Taki no shiraito / Cascading White Threads /Feiticeira das Águas
Gion matsuri / Gion Festival
1934 Jinpūren / The Jinpu Group
Aizō tōge / The Mountain Pass of Love and Hate
1935 Orizuru Osen / The Downfall of Osen/A Perdição de Osen
Maria no Oyuki / Oyuki the Virgin /Oyuki, a Virgem
Ojō Okichi / Miss Okichi (supervisor; algumas vezes creditado como do-diretor)
Gubijinsō / The Field Poppy / Papoula
1936 Naniwa erejī / Osaka Elegy/Elegia de Osaka
Gion no kyōdai / Sisters of Gion/As Irmãs de Gion
1937 Aien kyō / The Straits of Love and Hate
1938 Roei no uta / Song of the Camp
Ā, furusato / Ah, My Hometown
1939 Zangiku monogatari / The Story of the Late Chrysanthemums/Crisântemos Tardios
1940 Naniwa onna / A Woman of Osaka
1941 Geidō ichidai otoko / The Life of an Actor
Genroku Chūshingura: Zenpen / The Loyal 47 Ronin of the Genroku Era: Part 1
1942 Genroku Chūshingura: Kōhen / The Loyal 47 Ronin of the Genroku Era: Part 2/A Vingança dos 47 Ronin
1944 Danjurō sandai / Three Generations of Danjuro
Miyamoto Musashi / Musashi Miyamoto / The Swordsman
1945 Meitō Bijomaru / The Famous Sword/A Espada Bijomaru
Hisshōka / Victory Song (co-direção)
1946 Josei no shōri / A Vitória das Mulheres
Utamaro o meguru gonin no onna / Five Women around Utamaro / Utamaro and His
Five Women/Utamaro e Suas Cinco Mulheres
1947 Joyū Sumako no koi / The Love of Sumako the Actress/O Amor da Atriz Sumako
1948 Yoru no onnatachi / Women of the Night/Mulheres da Noite
1949 Waga koi wa moenu / My Love Has Been Burning/Chama de Meu Amor
1950 Yuki fujin ezu / O Retrato da Senhora Yuki
1951 Oyū-sama / Senhorita Oyu
Musashino fujin / Senhora Musashino
1952 Saikaku ichidai onna / The Life of Oharu / Oharu, a Vida de uma Cortesã
1953 Ugetsu monogatari / Ugetsu / Ugetsu Monogatari / Contos da Lua Vaga Após a Chuva
Gion bayashi / Gion Festival Music / A Música de Gion
1954 Sanshō dayū / O Intendente Sansho
Uwasa no onna / A Woman of Rumor / Os Amantes Crucificados
Chikamatsu monogatari / Os Amantes Crucificados
1955 Yōkihi / The Princess Yang Kwei Fei / A Imperatriz Yang Kwei Fei
Shin Heike monogatari / Tales of the Taira Clan / A Nova Saga do Clã Taira
1956 Akasen chitai / Street of Shame / A Rua da Vergonha
Texto: Jacoby, Alexander. A Critical Handbook of Japanese Film Directors - from the Silent Era to the Present Day. Berkeley: Stone Bridge Press, 2008, pp. 253-59.
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