Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#66: La Balandra Isabel Llegó Esta Tarde

 



La Balandra Isabel Llegó Esta Tarde. (Venezuela, 1949). O primeiro filme sul-americano a ganhar um prêmio no Festival Internacional de Cinema de Cannes - o Prêmio de Fotografia e de Composição Plástica, em 1951, para José María Beltrán - La Balandra Isabel  Llegó Esta Tarde, dirigido por Carlos Hugo Christensen, foi o primeiro filme internacionalmente reconhecido da Venezuela. O filme representa o auge do pioneiro comerciante/produtor Luis Guillermo Villegas Blanco para construir uma indústria de cinema real. Por este terceiro longa realizado pela Bolívar Films, Villegas Blanco trouxe técnicos e atores das bem sucedidas indústria de cinema do México e da Argentina. Estes incluíam o diretor de fotografia nascido na Espanha Beltrán, o diretor de arte Ariel Severino, o técnico de som Leopoldo Orzali, o diretor Christensen, e as duas atrizes principais, as argentinas Virginia Luque e Juana Sujo. E o protagonista, Arturo de Córdova, foi trazido do México. Tanto os roteiristas quanto os escritores de diálogos, no entanto, foram reconhecidos autores venezuelanos: Guillermo Meneses (que também escreveu o romance-fonte) e Aquiles Nazoa. Notavelmente, o filme representa, a miscigenação racial venezuelana, com atores de ascendência africana, incluindo Tomás Henríquez, sendo contratados para papeis, e muitos extras de várias etnicidades sendo empregados. O filme foi realizado nos estúdios Bolívar e em locações na região caribenha da Venezuela: o porto de La Guaira, nas cercanias de Caracas, e na ilha de Margarita.

Segundo Mendonza (Córdova) é o capitão de um barco pesqueiro com pequena equipe que viaja de sua casa, na ilha de Margarita a La Guaira. Seu bote é nomeado em homenagem a sua esposa, Isabel. Após cenas idilícas de vida na ilha, interrompidas por Mendonza salvando seu filho Juan (Néstor Zavarce), do afogamento, pai e filho velejam juntos pela primeira vez. Em Muchinga, o decadente distrito noturno do porto, Mendonza faz contato visual com a cantora de cabaré, Esperanza (Luque), no bar, El Cuerno de Abundancia. Depois de Mendonza espancar o patrão mais velho de Esperanza, há uma tórrida cena de amor sobre as palmeiras e próximo do oceano, Segundo abandona-a e ela busca o feiticeiro mulato, Bocú, para pôr um feitiço em seu novo amante e seu bote, Isabel. Agora claramente uma mulher de má reputação, torna-se ligada a Bocú. Ao retornar à casa de sua esposa (Sujo), Mendonza parece se encontrar em transe; quando adentra a casa, lançando uma sombra gigantesca sobre ela, chama-a de "Esperanza". Em sua viagem seguinte ao continente, Segundo Mendonza é acompanhado por Juan, mas o pai impede seu filho de ir à terra consigo. O filho foge à noite e encontra o pai abraçado à Esperanza. Após uma luta dramática na casa na praia de Bocú, Segundo parece assassiná-lo, assim como Esperanza, braços estendidos contra um pano de fundo da casa em chamas, perdendo sua amante. Implausivelmente, Segundo e Juan se unem ao final, aparentemente navegando para casa de Isabel. 

Prejudicado por seus excessos melodramáticos, La Balandra Isabel LLegó esta Tarde é notavelmente atmosférico, com as paisagens românticas insulares aparentemente inspiradas pelos filmes mexicanos de Emilio Fernandez/Gabriel Figueroa e os degraus íngremes e escorregadios dos becos chuvosos de Muchinga, filmados à noite, sendo reminiscente do cinema noir hollywoodiano. De fato, a fotografia de Béltran é consistentemente notável, e os interiores noturnos possuem muitos planos engenhosamente compostos e complexamente executados. Por exemplo, no primeiro plano da primeira cena do bar, Esperanza encara a câmera enquanto canta e inicialmente não percebe Segundo (fora de foco) ao fundo. O segundo plano, com a câmera em ângulos corretos, observa então ambos lateralmente e lentamente os une por uma panorâmica à esquerda, inclinando-se até observá-lo nas escadas, depois voltando direto para ela e focando na mão do patrão em seu pulso. Ao longo de todo o filme, Maria, uma desgrenhada, descalça e aparentemente louca (interpretada pela cubana América Barrio) age como um contraste e crítica dos poderes sedutores de Esperanza, e na cena em que Bocú põe um feitiço em Segundo, Maria é vista ao fundo de uma das três camadas de um plano com profundidade de foco, com um sacerdote vodu em profundidade, imitando os movimentos de Esperanza. Planos com três personagens abundam, particularmente nas cenas que envolvem Maria e durante uma cena notável de confronto envolvendo Juan, seu pai e Esperanza, ela sentada em uma mesa, balançando as pernas, sua figura dominando o espaço em primeiro plano e a direção direita do enquadramento. Mesmo que as contribuições de Beltrán ao estilo visual do filme sejam as mais notáveis, pode-se assumir que as contribuições da direção de Christensen e do montador argentino Nelo Melli também foram significativas, particularmente através do uso de numerosas dissoluções que marcam o retorno em transe de Segundo  a casa de Isabel. 

Talvez a característica mais original de La Balandra Isabel, no entanto, seja sua casual inclusão de atores afro-venezuelanos e da cultura africana. Ainda que os poderes do vodu sejam retratados negativamente através do personagem de Bocú, mas outras cerimônias africanas que são descritas, tais como o funeral das crianças, são representados como factuais e relativamente benignos, e as cenas dos tambores parecem tanto autênticas quanto excitantes. E é surpreendente que tais inclusões pareçam não ter sido notadas por críticos e historiadores de cinema e é bastante provável que La Balandra Isabel tenha sido o primeiro filme verdadeiramente caribenho na sua representação balanceada dos povos da região serem igualmente de ascendência europeia ou africana.

Texto: Rist, Peter H. The New Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 65-67. 

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