Filme do Dia: Feiticeira das Águas (1933), Kenji Mizoguchi
Feiticeira das Águas (Taki no Shiraito, Japão, 1933).
Direção: Kenji Mizoguchi, Takumei Seiryo & Seiryo Takuaki. Rot. Adaptado:
Yasunuga Higashibojo, Shinji Masuda & Kennosuke Takeoka, a partir do
romance de Kyoka Izumi. Fotografia: Minoru Miki. Montagem: Tatsuko Sakane. Dir.
de arte: Shichiro Nishi. Com: Takako Irie, Tokihiko Okada, Nobuo Kosaka, Kumeko
Urabe, Suzuko Taki, Bontarô Miake, Ichirô Sugai
A famosa artista das águas Taki no
Shirahito (Irie) se apaixona pelo intempestivo e orgulhoso cocheiro da
carruagem que a leva com sua trupe, Kinya Murakoshi (Okada). Tempos depois, ela
o encontra vulnerável e desempregado dormindo numa ponte. Acolhe-o em sua casa
e afirma que bancará seu estudos, pois quer vê-lo um grande homem. Para ele,
ela não é a artista famosa, apenas Tomo
Mizushima, uma garota como outra qualquer. Murakoshi parte para Tóquio. Dois
anos se passam. Enquanto Murakoshi recebe ajuda dela para se formar em direito,
ela enfrenta a vida de artista itinerante, repleta de altos e baixos. Chega o
inverno e os ganhos praticamente somem. Ogin (Urabe), atriz da trupe de
Shirahito clama por dinheiro para, segundo ela, visitar a mãe enferma em Tóquio
e é escorraçada do aposento pela última, ainda que depois se sinta culpada e
entregue o dinheiro a Ogin. Da mesma forma não se furta em ajudar o jovem casal
de amantes Nadeshiko (Taki) e Shinzo (Miake), arranjando-lhes para iniciar uma
vida nova, longe da trupe e dos assédios a Nadeshiko por parte dos homens dos
locais que viajam. Com falta de dinheiro para mandar a seu amado, um encontro
seu é arranjado com um rico mercador, mas ela não consegue nada, afirmando que
vende sua arte, não seu corpo. Porém, Shirahito não resiste por muito tempo e
aceita 300 yens de Gozo Iwabuchi (Sugai), apenas para ser roubada logo a seguir
por meia-dúzia de homens, por ordens do próprio Iwabuchi. Como vingança,
Shirahito mata-o. Ela parte para Tóquio, tendo como desejo antes de ser capturada
ver uma última vez Murakoshi. Porém, ele não se encontra em casa e quem a
recebe é sua senhoria. Ela busca refúgio na casa do casal Nadeshiko e Shinzo, que sofre visita da
polícia. Shirahito é capturada. Um novo promotor de Tóquio é designado para o
caso. Ela vem a saber, surpresa, que é ninguém menos que Murakoshi. Esse
pretende abdicar do julgamento, mas ela insiste em sua presença. Murakoshi pede
que ela fale a verdade e ela conta tudo como ocorreu. Estava selada a história
de Murakoshi e Shirahito.
Chama a atenção como o filme inverte a
tradicional representação da corte, com Taki no Shirahito indo atrás do homem
por quem se sente atraída, e esse apresentando certo grau de resistência aos seus
avanços, na bela sequencia da ponte, por mais que ao mesmo tempo ressalte que a
atração visível da artista desde a primeira vez que viu Murakoshi se dê por sua
virilidade e rudeza. E o leve para sua casa, prometendo a ele a possibilidade
de um futuro brilhante sem sequer saberem o nome um do outro. As belas imagens
se sucedem, como a da despedida de Tomo de seu amado, ela de corpo inteiro e de
costas para a câmera acenando seu lenço para um trem à distância, em uma
desproporcionalidade equivalente a das suas aspirações românticas com um homem
praticamente estranho. É lógico que no amor da artista por seu estudante existe igualmente projeções de
respeitabilidade de se tornar a esposa de alguém de grande prestígio social. E do encontro dos
dois ao final, situação algo arquetípica do melodrama, Mizoguchi extrai a cruel
ironia do que forma o cerne da sociedade: a hipocrisia. Okada, que havia trabalhado anteriormente com
Ozu em filmes como Coral de Tóquio,
morreria no ano seguinte de tuberculose com apenas 30 anos. Cópia com péssima
opção de sonorização que não apenas inclui uma trilha musical, em geral
satisfatória, mas igualmente
desnecessários comentários “dramatizados” um tanto toscos, no limite do
paródico. Nada que tire o brilho de verdadeiros achados poéticos que acompanham
as cartelas, como a que faz referência a ela “ter a dignidade de quem encarava
o próprio destino.” Originalmente contava com 11 minutos a mais. Irie
Prod./Shinko Uzumasa. 99 minutos.
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