Filme do Dia: Em Jacskon Heights (2015), Frederick Wiseman

 



Em Jackson Heights (In Jackson Heights, EUA, 2015). Direção e Montagem: Frederick Wiseman. Fotografia: John Davey.

O veterano realizador do cinema direto se detém sobre a comunidade do Queens, condado de Nova York, que se arvora em ser a mais cosmopolita do mundo, com 167 línguas faladas e se a diversidade é ressaltada a todo momento pelo documentário – ainda que em alguns casos, de forma bem mais restritiva, como é com os muçulmanos, provavelmente por restrições impostas ao próprio realizador – e vai além da questão étnica, como é o caso do amplo espaço que se acompanha demandas da comunidade gay e transgêneros, tampouco se deixa de frisar, igualmente em amplo espaço, uma das questões que inquieta fortemente os pequenos comerciantes locais: o crescente interesse econômico por parte das grandes corporações pelo local, pela saturação de Manhattan e Brooklyn. Como Wiseman permanece fiel a suas estratégias estilístico-narrativas não é de se espantar que a fala pública, em grupos, associações e ritos religosos ganha bem maior prevalência que a de indivíduos em situações mais triviais, como entre os amigos. Ou seja, o indivíduo é sempre observado em interação social, já que não há interpelações diretas a ele e  nem tampouco se segue alguém ou um grupo específico de personagens. A todo momento se ouve relatos de exclusão, de exploração no trabalho, de discriminação de gênero, sendo algumas narrativas bastante tensas, como a da mexicana que teve sua filha desaparecida durante duas semanas no deserto enquanto migrava para o país ou o pequeno comerciante que trabalha há mais de duas décadas no bairro e agora provavelmente terá que encontrar outro local dada a pressão econômica que começa a gerar especulação imobiliária e a não renovação dos contratos por parte dos proprietários de imóveis. E é socialmente que se acompanha igualmente as tentativas de resistência às pressões e obstáculos que se erguem sobre os indíviduos as mais diversas, embora a impressão que se fique que a solidariedade compartilhada nos mesmos locais em que efetuam suas falas, por mais importantes que sejam psicologicamente para os indivíduos que as sofrem, soam como uma autoajuda que não modificará o quadro mais amplo, existindo um momento praticamente isolado em que militantes da comunidade gay e trans se manifestam diante de um estabelecimento que as discriminou – numa cópia frágil e menos espetacularizada, assim como tampouco guiada pelo próprio realizador, de protestos como os observados nos documentários de Michael Moore. Outro momento de resistência, se assim se pode pensar, são as comemorações coletivas, seja o grupo de bolivianos que se reúne para torcer por sua seleção – é época da Copa de 2014 – ou a relativamente minguada parada gay. Na abordagem dos cultos, nenhum é tão expressivo em número de fieis quanto o católico, em que o padre afirma em seu sermão sobre duas tentações que os fieis devem se esquivar, o do uso das drogas e o da traição de seus esposos e que, segundo ele, não irão gerar outra coisa que mais vazio. Para além desses momentos de interação pelo discurso falado, existe outros, de cunho mais observacional, em que transeuntes fazem compras ou frequentadores de clubes noturnos buscam diversão, para não falar da atenção para os rostos que escutam a maior parte dos que proferem algum discurso em público no filme. As fachadas dos estabelecimentos comerciais também ganham destaque em planos que, por mais triviais que pareçam, não apenas expressam algo como muitas vezes uma identidade comunal – fortemente ameaçada como foram as das reformas que ocorreram na cidade empreendidas por Robert Moses – como também são importantes para o próprio ritmo do filme. Do salão de beleza à loja de tatuagens, passando pelas aulas de dança do ventre. E, mesmo nos momentos de celebração das comunidades, tensões e diferenças deixam de ser enfatizadas – na dos colombianos, após o jogo, observamos algumas pessoas sendo presas e outras repreendidas pela polícia, na parada gay observamos a cara de explícita insatisfação quando alguém da própria comunidade tem o seu desejo de falar ignorado em meio aos rituais  hieráticos e de poder; ou seja, Wiseman não se detém, como habitual, em uma instituição social específica, mas observa agora de forma dispersa entre todo um segmento social rico e diferenciado, seus efeitos. Moulins Films para Zipporah. 190 minutos.

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