Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#65: Niní Marshall

 

MARSHALL, Niní. (Argentina, 1903-1996). Nascida Marina Esther Traverso, em Buenos Aires, o carinhoso apelido Niní foi dado por sua mãe. Após um casamento curto e infeliz com um jogador compulsivo, foi abandonada aos vinte e poucos anos como mãe solteira, sustentando a si própria e sua filha trabalhando com publicidade. Passaria a contribuir com artigos para as revistas, notoriamente a popular revista semanal de massa La Novela Semanal, sob o pseudônimo "Mitzi". Cresceu seu sucesso ao trabalhar em um popular programa de rádio, Sinfonia, em 1933, originalmente como roteirista e depois como uma crítica de entretenimento. A evolução de Niní no mundo do espetáculo de roteirista à artista foi incomum para sua época, particularmente para uma mulher, e como consequencia sempre manteve um alto grau de controle sobre o material que interpretava. Em 1934 apareceu em uma diversidade de programas de rádio e, em 1936 efetuou sua estreia no rádio como cantora. Neste mesmo ano encontrou seu segundo marido, Marcelo Salcedo, cujo primeiro nome (em sua forma anglicizada), proporcionaria seu novo nome profissional, Niní Marshall. Também em 1936, começou a se apresentar no próspero teatro de Buenos Aires, desenvolvendo dois personagens satíricos que seriam identificados com ela até o final da carreira: Cándida, uma criada gallega (imigrante espanhola) que era ingênua e desajeitada, e Catita, a filha rebelde de imigrantes italianos a usar gírias rudes da classe trabalhadora quando falava. Niní fez uso do humor dialetal para zombar gentilmente às comunidades imigrantes aos quais estas personagens pertenciam e para, ainda mais importante, também incomodar seus patrões da classe alta. 

A popularidade crescente de Marshall fez dela uma escolha natural a seguir os passos de Carlos Gardel e outros intérpretes dos palcos e do rádio que eram estrelas do cinema argentino dos anos 30. Capturou particularmente os olhos de Manuel Romero, roteirista-diretor de uma série de comédias e melodramas, fortemente dependentes de esteóritipos populares, que contrapunham seus heróis da classe trabalhadora contra vilões burgueses (ou em vias de se tornarem burgueses). A criação astutamente disruptiva de Niní, Catita, pareecia perfeitamente ajustada, então ele a teve interpretando a personagem em sua comédia de sucesso Mujeres que Trabajan (Mulheres que Trabalham, 1938) e seus sucedâneos, Divorcio en Montevideo (1939), Casamiento en Buenos Aires (1940), Luna de Miel en Rio (Lua de Mel no Rio, 1940), e Yo Quiero ser Bataclana (1941). Ao mesmo tempo, trouxe para ela outra criação popular para as telas em Cándida (Cândida, 1939), Los Celos de Cándida (1940) e Cándida, Millonaria (Cândida Milionária, 1941) para o diretor Luís Bayón Herrera. Em diversos destes filmes iniciais, ela é creditada por "diálogos adicionais" ou "argumento original", mas é dito ter contribuído, seja através de diálogos improvisados e negócios ou sugestões nos enredos, para os roteiros de quase todos os seus filmes.

Em 1940 interpretou um de seus papéis mais lembrados, na sua primeira colaboração com o diretor Luis Cesar Amadori, Hay que Educar a Niní. Interpretando uma variação de sua personagem Catita, surge como uma trabalhadora de cinema enquanto extra, com sonhos de se tornar uma estrela, que concorda em personificar a filha há muito desaparecida  de um distraído milionário. Como envolve ela posar como adolescente em um internato rigoroso, possui uma profusão de oportunidades para comédia pastelão, o exagereado burlesco dos adolescentes e a indústria de cinema, e diálogos de humor étnico, enquanto lidera uma revolta na escola, rehabilitando a, de outro modo, rica sem valor e encaminhando os advogados ocultos e vilões que inventaram a fraude. A despeito de seu visual surpreendente, este filme também segue a prática de proporcionar às cenas românticas uma atriz mais convencionalmente atraente. Niní realizou mais sete filmes com Amadori, incluindo dois de seus mais famosos: Carmen (1943), no qual dança uma famosa paródia pastelão de "A Morte do Cisne", e Madame Sans-Gêne (1945), o mais caro filme argentino até então. Seu último filme juntos foi uma paródia de horror, Una Mujer sin Cabeza (1947). A ruptura pode ter sido política, com Amadori, peronista, partindo para o exílio após a depoisção de Juan Perón em 1955, enquanto Niní ganhou notoriedade por suas imitações da nova primeira dama Eva Perón nas festas. 

Niní se reuniu com Romero para mais três comédias, mas se tornou parte da lista negra para trabalhar em filmes argentinos, juntamente com diversos outros intérpretes, notavelmente a estrela Libertad Lamarque, ao pedido de Evita Perón. Tendo sido banida de atuar no rádio desde 1943, por conta de seu uso cômico dos dialetos, que o govereno declarou ruim para a imagem do país (embora suas espetadas na burguesia também provavelmente fossem um fator), limitou-a ao trabalho no teatro, e ela decidiu partir ao exílio. Realizou uma bem sucedida transição ao cinema e rádio mexicanos, interpretando Cándida em uma série de filmes, iniciando com Una Gallega en México (Uma Espanhola no México, 1949, dir. Julián Soler). Niní retornou a Argentina após a queda de Perón, para realizar Catita es una Dama (1956, Julio Saraceni). Posteriormente, ela ocasionalmente faria filmes, mas concentrou-se no rádio, teatro e televisão, criando uma nova galeria de personagens cômicas e trabalhando firmemente, e ainda popular, aos seus oitenta anos. Em 1989 recebeu um pedido de desculpas pelo presidente Carlos Menen, pelas perseguições que sofreu no passado, e morreu em 1996. Um selo foi impresso em sua homenagem em 2002. Ver também FILMES DE TANGO.

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David Hanley

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman&Littlefield,  pp. 392-94.

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