Filme do Dia: Doméstica (2012), Gabriel Mascaro
Doméstica (Brasil,
2012). Direção e Rot. Original: Gabriel Mascaro. Montagem: Eduardo Serrano.
A partir de um
dispositivo enganosamente simples – câmeras na mão de adolescentes de famílias
que possuem empregadas domésticas – o filme traça um sutil arranjo que aponta
para relações de poder algo sufocadas pela docilidade das interações sociais
típicas da sociedade brasileira. Povoando as residências das cidades de quase
todas as regiões do Brasil (Manaus, Salvador, São Paulo, etc.), as empregadas apresentam
pouco (como é o caso da última) ou muito (como é o caso da empregada que acaba
surpreendentemente revelando que ao cuidar da avó do rapaz que a filma, deixou
de conviver com os últimos meses da vida do filho assassinado), mas tanto num
caso como noutro, deixam marcas indeléveis de uma relação assimétrica. Tanto no
caso da patroa que cuida da filha da empregada como se fosse seu neto, e que
chora lembrando quando a deixou no hospital para o parto e retornou a sua
residência como no caso daquela que, como Lucimar, de amiga da infância se
tornou empregada e cujo laconismo e tensão presente em suas frases
monossilábicas afirma muito mais que muitas das frases e encenações
apresentadas ao longo do filme; tensão essa, de certa forma, voluntariamente ou
não instigada pelo adolescente que a filma, Luiz Felipe. Um dos momentos mais
pungentes do filme é quando uma das empregadas, que também se tornou motorista,
Vanusa, ao se ver só com a câmera que a havia flagrado deixando os filhos da
patroa no colégio, volta-a para si e chora em desabafo ao som da música de
Reginaldo Rossi que toca no rádio do carro. Os ambientes em que vivem tampouco
se encontram longe de homogêneos e abarcam desde a alta classe média até uma
casa sem reboco, onde se observa a curiosa interação da empregada de uma
empregada da família de classe média – ausente do filme – como a família dessa.
Ou ainda um caso também semelhante, em termos de maior horizontalidade social,
de um homem que, praticamente abandonado pela família, passa a se tornar o
criado da casa de uma amiga. É a dificuldade em se assumir, em toda a sua
dimensão, a relação de trabalho (e de poder) que de fato se institui, sem
exceção, em todas essas interações, que parece ser o nó górdio que salta aos
olhos dos que conseguem ir além de uma visão mais rasteira, também possível.
Uma perversão involuntária assoma ocasionalmente dos jovens que habitualmente
assumem o papel de mediadores dessa interação, já que parcialmente isentos de
tingirem essa aproximação com as tensões que envolvem, em última instância,
relações trabalhistas, como é o caso do riso que surge ao se observar a
empregada que dorme de joelhos sobre o sofá, após um cotidiano de trabalhos
efetivados de madrugada. Em certos casos, como o da patroa que praticamente
adota a filha da empregada, pouco espaço se dá para que essa própria verbalize
a compreensão de sua situação. 76 minutos.
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