Filme do Dia: Linha de Passe (2008), Walter Salles & Daniela Thomas


Linha de Passe - 1 de Janeiro de 2008 | Filmow
Linha de Passe (Brasil, 2008). Direção: Walter Salles & Daniela Thomas. Rot. Original: George Moura, Daniela Thomas & Bráulio Mantovani. Fotografia: Mauro Pinheiro Jr. Música: Gustavo Santaolalla. Montage: Gustavo Giani. Dir. de arte: Valdy Lopes. Com: Sandra Corveloni, João Baldasserini, Vinícius de Oliveira, José Geraldo Rodrigues, Kaique Jesus Santo.
Cleuza (Corveloni) vive com os quatro filhos em condições precárias em um subúrbio de São Paulo. Reginaldo (Santos), ainda criança, possui obsessão em encontrar o seu pai e em andar de ônibus pela cidade. Dario (Oliveira) insiste em sua carreira como jogador de futebol, fazendo apresentações para olheiros e participando de seleções em grandes times. Dênis (Baldasserini) é motoboy e só a muito custo consegue levar algum dinheiro para seu filho. Dinho (Rodrigues) é frentista em um posto de gasolina e se converteu em evangélico.
A dupla de realizadores constrói um sensível retrato da realidade e dos sonhos e ambições para conseguir se manter vivo dentro de uma sociedade extremamente excludente. Distanciando-se do sentimentalismo ou pelo menos o elaborando de modo menos incisivo que em Central do Brasil, o filme tem como maior trunfo o naturalismo de suas interpretações, em chave mais sutil e apropriada para o  registro aqui buscado que o presente em um filme como Cidade de Deus. E como maior falha uma certa falta de ritmo que o leva a cair sensivelmente da metade ao final, quando apela para situações de maior impacto e acaba perdendo a chance de efetuar com maior coerência o seu tom de crônica distante de eventos “sensacionais”, como havia feito, a partir de uma realidade social semelhante, um filme como De Passagem. É quando todas as tramas passam a se intercalar se encaminhando para uma aparente resolução final do drama de cada um dos irmãos e da mãe que o filme se torna menos atraente – Dênis seqüestra um homem em seu carro de luxo, Dario joga a partida que aparentemente decidirá seu futuro no futebol, Dinho, após espancar o patrão que o havia acusado de roubo, participa de uma cerimônia coletiva de batismo, Reginaldo seqüestra um ônibus, Cleuza sente as dores da criança da qual se encontra grávida. O final, em aberto, busca uma saída que foge do cinzento realismo aparentemente sem perspectivas da família – Reginaldo passa do sonho e desejo para a ação ao fugir dirigindo um ônibus. É mais que evidente o desejo do realizador de, como em outros filmes seus, refletir sobre o país a partir da conduta de seus personagens e aqui o viés social ganha uma dimensão  talvez mais ampla do que em qualquer outro filme de sua carreira, certamente espelhado ou ao menos influenciado pelo que Visconti havia efetivado quatro décadas antes com seu Rocco e Seus Irmãos. Em vários momentos, no entanto, não consegue ir além do lugar-comum, seja quando apresenta Dario vivenciando a novidade do contato com um outro Brasil, farto e hedonista, na noitada com o filho da patroa ou quando descreve os cultos evangélicos e a reação violenta de Dinho quando sai minimante dos trilhos e das limitações impostas por sua nova persona de “crente”. Talvez uma das melhores soluções para destacar o abismo de classes seja o cano sempre entupido da pia da casa do subúrbio, ao qual Dario a certo momento perde a paciência, metáfora das próprias vidas relativamente impedidas de irem para adiante com seus sonhos e a alvura e fluidez da pia do apartamento da patroa. Ao contrário de Visconti, no entanto, não há uma dimensão épica ou uma reflexão política em seu sentido mais preciso na configuração de cada personagem. Nem evidentemente se espera algo do tipo. Quanto a imersão no imaginário suburbano paulistano o filme certamente deve muito ao pioneirismo de Um Céu de Estrelas, mesmo sendo a dupla de realizadores aqui de longe mais talentosa na direção de atores que Tata Amaral. Prêmio de interpretação feminina para Corveloni no Festival de Cannes. Double Helix Ent./Media Rights Capital/Pathé Pictures Int./Videofilmes. 108 minutos.

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