Filme do Dia: Crumb (1994), Terry Zwigoff
Crumb (EUA, 1994). Direção: Terry Zwigoff.
Fotografia: Maryse Alberti. Música: David Boeddinghaus. Montagem: Victor
Livingston.
Documentário que se aproxima do influente
cartunista Robert Crumb, que se tornaria, sobretudo, associado com a cultura
junk-hippie, aflorada a partir do final dos anos 1960 – como é o caso do Gato
Fritz, de forte vinculação ao sexo e a recém-iniciada Revolução Sexual ou a
capa do disco de Janis Joplin, pela qual diz que não ganhou mais que 600
dólares dos “pilantras oportunistas da CBS”.
Figura ao mesmo tempo carismática e já em descompasso com a agenda
politicamente correta dominante nos Estados Unidos de então, marcada por uma sexualidade
reprimida e, ao mesmo tempo, a se fiar na proximidade biográfica de vários dos
quadrinhos que apresenta, talvez assustadoramente “apaixonado” por sua própria
filha, garota que observamos em seu colo, e que diz ser a única mulher com que
de fato conseguiu estabelecer uma relação desse tipo. O sexo, aliás,
onipresente nos quadrinhos de Crumb, também é assunto de boa parte do
documentário, o que envolve sua família disfuncional, com dois irmãos portando
visíveis distúrbios psíquicos, que também possuem uma relação, digamos,
heterodoxa com o mesmo, no momento da produção ambos afirmando não possuírem
mais vida sexual, e um deles, Charles vivendo com a mãe e afirmando que tivera
desejos constantes de assassinar o irmão mais moço, quando da juventude de
ambos. Dentre as Imagens da família, surge uma relação aparentemente mais
distante com uma irmã, observada brevemente (nenhuma de suas duas irmãs aceitou
colaborar com o documentário, como afirma os comentários finais), assim como de
ex-companheiras e musas para vários de seus quadrinhos se confundem com ele
próprio montando nas costas de algumas dessas, tal como observado em
personagens de sua obra, e uma das companheiras afirmando que ele nunca teve
interesse em sexo convencional apesar de seu invejável órgão sexual que,
guardadas as proporções, a se fiar no que ela afirma, equivaleria aos de alguns
desenhados pelo artista. Embora assuma sua misoginia, vários depoentes, a maior
parte de mulheres, direciona um discurso que se encaminha para o oposto, afirmando
que se sentiram compreendidas por ele, enquanto as mais intelectuais dissecam
esse ódio ao gênero do qual fazem parte e relações de cunho psicanalítico,
ocasionalmente na frente do próprio, e de seu riso franco-nervoso. Riso esse
que deixa transparecer com rara efetividade em uma personalidade de sua
envergadura, traços, por bem ou por mal, de uma aparente imaturidade ou
jovialidade que carrega consigo, como se ainda adolescente fosse, assim como
vulnerabilidade. Junta-se ao grupo das mulheres que o defendem o crítico de
arte Robert Hughes. Mais admirável em sua personalidade, além do talento para
sua arte, observado em alguns momentos, inclusive comentando o desenho que está
sendo realizado por um filho seu, é um relativo desapego à cultura da celebridade
norte-americana, que acenou para ele com várias propostas bem pagas e que foram
prontamente recusadas. Com seus óculos de lentes grossas, aspecto franzino e
timidez, torna-se quase um personagem a fazer companhia a sua trupe mais
assídua – Mr. Natural e Frtiz, o gato, sobre quem não pensou duas
vezes ao “assassiná-lo” com a mediação de uma personagem que faz uso de um
picador de gelo, após a obra dirigida por Bashki que, segundo ele, nada tinha a
ver com sua proposta e foi idealizada por gente inescrupulosa; embora, seu
desgosto com a fama do personagem anteceda o longa de Bashki, já que ele some
antes dessa produção. Sua língua afiada e comentários muitas vezes hilários em
sua franqueza tampouco se coadunam com a cultura vip do mundo das celebridades
que habitualmente povoa a mídia. A influência da “obra” iniciada pelo irmão
mais velho, que logo se afastaria dos desenhos (e também do mundo) é recorrente
em sua fala e ao observar o que sobrou das brochuras artesanais da produção desse.
Não menos interessante que o personagem que apresenta de si é a relação desse
com a contracultura que o catapultou à fama, e de quem detesta – a época que
admira da cultura norte-americana é bem anterior, da virada do século, e o seu
estilo de vestir e as músicas que admira comprovam tal apego – mas não deixa de
simpatizar com os membros dessa que findaram esquecidos pelas ruas, servindo de
inspiração a seus traços; como muitos
devotos da cultura que abominava, fez uso da droga emblemática da geração, o LSD,
que o levaria a sua fase psicodélica, nem por isso destituída de ironia.
Dedicado a Charles, que se suicidaria antes que essa produção fosse finalizada,
e sobre quem Robert demonstra certo pesar ao partir para a França, ao final, já
que representava para o irmão praticamente o único vínculo restante com a
vida. Superior Pictures para Sony
Pictures Classics. 119 minutos.
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