Filme do Dia: Sono de Inverno (2014), Nuri Bilge Ceylan

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Sono de Inverno (Kis Uykusu, Turquia/Alemanha/França, 2014). Direção: Nuri Bilge Ceylan. Rot. Adaptado: Nuri Bilge Ceylan & Ebru Ceylan, a partir de contos de Tchecov. Fotografia: Gökhan Tiryaki. Montagem: Nuri Bilge Ceylan & Bora Göksinköl. Dir. de arte: Gamze Kus. Com: Haluk Bilginer, Melisa Sözen, Demet Akbag, Ayberk Pekcan, Serhat Mustafa Kiliç, Nejat Isler, Tamer Levent, Nadir Saribacak, Rabia Özel, Emirhan Doruktutan.

Aydin (Bilginer), ator aposentado, é um rico proprietário de um pequeno e aconchegante hotel na Anatólia, onde vive com sua esposa Nihal (Sözen), sua irmã separada Necla (Akbag) e seus fiéis empregados Hidayet (Pekcan) e Fatma (Özel). Certo dia, quando se desloca de carro com    Hidayet como motorista, o veículo é atingido por uma pedrada. Hidayet consegue descobrir o autor do ato, o garoto Ilyas (Doruktutan). Fica-se sabendo que Ilyas é filho de Ismail (Isler), que teve parte de seus pertences tirados de si por conta dos débitos que possui para com Aydin, sendo ameaçado, inclusive, de perder a casa. Hamdi (Kiliç), o único homem empregado da família, procura contemporizar a situação de tensão quando Hidayet vai tomar satisfações junto à família do garoto. A aparente união no hotel-residência de Aydin também é enganosa. Sua irmã, Necla, acusa-o de auto-complacência nos artigos que escreve para o jornal local, enquanto há um duro embate com a esposa por conta de sua ingenuidade contábil nas ações caritativas que organiza. Aydin não gosta do grupo que se reúne em sua casa, sobretudo do professor Levent (Saribacak).

Bilge, em chave bem diversa de Era uma Vez naAnatólia, consegue inflexões dramáticas dignas  da dramaturgia-literatura russa, sobretudo de Tchecov; não por acaso, quando se descobre se tratar de adaptação de vários de seus contos. Há uma densidade entre os embates de Aydin com Nihal e Necla, efetivados através de longos diálogos acusatórios que não escondem certa origem teatral. Até que se chegue a isso, no entanto, o filme vai compondo sua situação sem pressa mas também em termos de estilo visual, diversa de seu filme anterior, privilegiando planos curtos ao contrário dos planos-sequencia que compõem aquele, e com uma predominância de interiores mais que externas, embora tampouco estas deixem de possuir uma importante função dramática. Fundamentais para o seu sucesso é a excelente direção de atores em um elenco mais que afinado. O tema da virtude e da moral se encontra posto a todo momento, seja através da obsedante preocupação de Necla de que não se deve reagir ao mal, para surpresa de seu irmão. Ou ainda a preocupação de Aydin com o despreparo contábil da sua jovem esposa, que identifica com o de uma neurose histérica. E, por fim, com o desabafo da esposa para a postura misantropa de seu superior marido, para quem tudo e todos sempre estão aquém.  Algo que se estende, inclusive, a personagens secundários, como o alcoólatra e desempregado Ismail, que num gesto inesperado de dignidade, queima o dinheiro que lhe fora trazido por uma culpada Nihal. O que torna o filme um tour de force emblemático é a propriedade com que não apenas dispõe a razão e a certeza de cada um diante de suas posições, assim como a gradual queda das máscaras que moviam cada um à superfície, mas a tessitura humana ao qual estão presas e a absoluta propriedade e razão com que cada um observa a si e aos outros. De forma bem mais discreta que na sua produção anterior, Hidayet traz algo de cômico para algumas das situações e o final acena para o otimismo de um Aydin que se desculpa perante a esposa apenas através de um discurso interior no qual confessa o que jamais terá coragem de exteriorizar. Já o personagem da irmã desaparece algo de supetão. Destaque, dentre todos, para a magnífica interpretação de Bilginer. Dois temas de Schubert estão presentes na sua trilha musical.   Palma de Ouro e FIPRESCI em Cannes. Zeynofilm/Bredok Filmproduction/Memento Films Prod./Imaj. 196 minutos.

 


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