Filme do Dia: Quem Quer Ser um Milionário? (2008), Danny Boyle
Quem Quer Ser um
Milionário? (Slumdog Millionaire,
Reino Unido, 2008). Direção: Danny Boyle & Loveleen Tanda. Rot. Adaptado:
Simon Beaufoy, baseado no romance Q &
A, de Vikas Swarup. Fotografia: Anthony Dod Mantle. Música: A.R. Rahman.
Montagem: Chris Dickens. Dir. de arte: Mark Digby & Abishek Redkar.
Cenografia: Michelle Day. Figurinos: Suttirat Anne Larlarb. Com: Dey Patel,
Anil Kapoor, Saurabh Shukla, Rajendranath Zutshi, Janewa Talwar, Freida Pinto,
Azharuddin Mohammed Ismail, Ayush Mahesh Khedekar, Sunil Kumar Agrawal, Mahesh
Manjrekar, Rubiana Ali, Maddhur Mittal, Tanvi Gonesh Lonkar, Tanay Chheda, Ashutosh
Lobo Gajiwala, Ankur Vikal.
Jamal
(Patel) se encontra em vias de se tornar
o maior fenômeno de um programa televisivo de perguntas e respostas, após uma
vida acidentada que incluiu uma infância miserável (Khedekar), onde presenciou
com o irmão Salim (Ismail), o massacre dos moradores de sua comunidade,
incluindo sua mãe. Os dois acolhem uma
garota também órfã, Latika (Pinto). Juntos, tornam-se vítimas do oportunista
Maman (Vikal) que mutila crianças para que elas se tornem mais rentáveis como
pedintes. Jamal consegue fugir com o irmão e Latika, porém Latika não consegue
alcançar o trem e é capturada novamente. Jamal (Chheda) e o irmão (Gajiwala) se
tornam guias do Taj Mahal e passam a realizar pequenas ações criminosas. Eles
reencontram Latika (Lonkar) e Salim assassina o homem que os havia explorado e
ainda explorava Latika. Salim, disposto a ficar com Latika, expulsa Jamal de
casa. Jovem adulto Jamal (Patel) volta a encontrar o irmão (Mittal), que agora
trabalha para o chefão do crime Javed
(Manjrekar). Jamal não esqueceu Latika (Pinto) e a reencontra casada justamente
com Javed e vítima de sua brutalidade. Jamal a convida a fugirem. Na
véspera do prêmio da televisão, ele é levado pela polícia, suspeito de fraude, torturado
e interrogado. Seu irmão decide livrar Latika e enfrentar Javed. Jamal,
enquanto isso, retorna para a última noite em que tentará a sorte final, apostando tudo ou nada.
Ainda que
comparações inevitáveis sejam feitas com Cidade
de Deus, dado a semelhante expertise em termos de conjugar virtuosos
elementos estilísticos e narrativos com uma realidade sofrida, miserável e
violenta do Terceiro Mundo como cenário, deve-se ressaltar que o filme de Boyle
incorpora certa suavidade do universo da fantasia que diz respeito também ao próprio
universo do cinema indiano, algo explicitado no seu tributo, mesmo que irônico,
ao final. Sem falar que a narrativa aqui, completamente encadeada a partir das
perguntas feitas a Jamal no programa de TV e da narrativa que esse conta na
delegacia soa mais esquemática. Como no filme de Meirelles há uma pujança em
descrever de modo dinâmico e com belas imagens muito da miséria da realidade
social indiana. E em dividir de modo bastante maniqueísta as figuras do bem e do
mal. O herói, ainda mais que o do filme de Meirelles, tende a ser essa
encarnação dos valores mais puros e de um amor romântico contra toda a
brutalidade que foi incorporada pelo irmão. Talvez o que haja de menos
interessante no filme seja uma sensação de se assistir a uma reatualização do
mesmo. Como no filme de Meirelles o personagem que nunca enveredou de fato pela
criminalidade é recompensado ao final, conseguindo mulher, dinheiro e
popularidade, numa dimensão ainda mais catártica – enquanto lá era um modesto
emprego de fotógrafo no jornal, na chave mais realista, aqui se trata de se
tornar um ídolo nacional, mesmo que de fama meteórica como a dos reality shows descartáveis, e se
sobressair da miséria disseminada. Nesse sentido, o filme escorrega em opções de
efeito dramático que Cidade de Deus
nos poupa, tal como a cena climática na qual Jamal comemora a sua vitória no
programa e o irmão ao mesmo tempo é assassinado. Efeito que, aliás, Nélson
Pereira dos Santos trabalhara de modo muito mais efetivo meio século atrás com Rio 40 Graus. Todas as soluções, ainda
bem mais do que no filme de Meirelles, passam pela questão individual e aqui
outra opção mais desgastada também, a da inevitável história de amor, mesmo que
observada com subliminar ironia, como quando Jamal responde a sua amada sobre
como eles viveriam se ela fugisse, que seria de amor, ganha uma proeminência
longe de ser equivalente lá. Enfim, licenças menos poéticas do que de interesse
na empatia do público se tornam mais evidentes do que em Cidade de Deus ou – principalmente – Gomorra, outro filme com o qual poderia ser comparado. Boyle não
deixa de se referir, em mais de uma ocasião, ao seu outro filme-sensação, Transpotting (1996), ainda menos
interessante. Os filmes do diretor parecem render mais quando, mais
convencionais, não se encontram premidos
por essa necessidade de virtuosidade narrativa-estilística, como é o caso de Cova Rasa (1994). Celador
Films/Film4/Pathé Pictures Int. para Pathé Distribuition. 120 minutos.
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