Filme do Dia: A Letter to Elia (2010), Martin Scorsese
A Letter to Elia (EUA, 2010). Direção e Rot. Original: Martin Scorsese
& Kent Jones. Fotografia: Mark Raker. Montagem: Rachel Reichman.
Seguindo os passos de seu Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano, de uma década e meia antes, Scorsese
se detém agora em um único realizador, seminal para sua obra e vida: Elia Kazan. Ainda mais que em seu documentário anterior, como o próprio título
demonstra, Scorsese busca criar elos entre a obra de Kazan e sobretudo o
momento inicial de seu deslumbramento pelo cinema. Não são poucos os potenciais
pontos de identificação, como Scorsese demonstra, ao afirmar que morava em um
cortiço tão pobre quanto os apresentados nos filmes iniciais de Kazan, também
vivenciando como naqueles uma mescla entre intensa afetividade e crua
realidade, sendo o cinema uma importante forma de negociação entre ambas. Assim
como negociar igualmente, no próprio documentário, uma evocação de suas impressões de um garoto
de 13 anos do primeiro filme de Kazan que viu no cinema com o cineasta
reconhecido e premiado da época em que o documentário foi produzido, e com um
olhar afiado para a elaboração das composições, diálogos (ou ausência destes),
interpretações, trilhas sonoras, etc. Ou ainda os vínculos fortes que os ligam
ao Velho Continente, Kazan proveniente da Grécia, Scorsese de família italiana,
ressaltados no apreço maior de Kazan por Terra
do Sonho Distante, que também possui trechos generosos incluídos. Como
visão pessoal, Scorsese praticamente abdica de se deter na relação entre a obra
de Kazan e Tennessee Williams, observando mais que todos o filme o que
provavelmente lhe impactou mais, Vidas Amargas, em que a briga de um dos irmãos, vivido por James Dean, pelo amor
do pai, fez-lhe lembrar sua própria relação tensa com um irmão. Também lhe
chamava atenção a crueza com que Kazan descrevia ambientes e relacionamentos,
com uma franqueza e intensidade praticamente inéditas no universo do cinema
norte-americano de então, como é o caso de Sindicato
de Ladrões, Rio Violento ou Clamor do Sexo, observado apenas de
passagem. Algo que se estende, evidentemente, aos atores que encarnavam tais
personagens, inclusive crianças como a inesquecível interpretação de Peggy Ann
Garner já no filme de estreia de Kazan, Laços Humanos. Comentando de passagem o
episódio que marcaria a carreira e vida profissional de Kazan pelo restante de
sua vida, presente mais de meio século após ao receber um Oscar honorário, justamente
das mãos de Scorsese (momento do qual apenas temos as fotos de Scorsese ao seu
lado, abraçando-o e tentando contrabalançar o peso dos que não aplaudiram ou
hostilizaram de alguma maneira o cineasta), o da delação de colegas junto ao
Comitê de Atividades Americanas, em sua populista e obsessiva caça a pretensa
infiltração comunista no país nos idos da década de 50, ele diz que o próprio
Kazan lhe afirmara que os filmes realizados após esse episódio, em 1952, ele
fez verdadeiramente com toda sua alma. Scorsese fecha o seu tributo a Kazan, a
quem afirma nunca ter lhe dito pessoalmente sobre a importância de seus filmes
para si próprio, em outras palavras dizendo que o fizera não apenas através da
realização de filmes, como evidentemente – e sobretudo – é o caso dessa produção.
O único momento em que Scorsese se afasta, muito brevemente, da obra de Kazan é
para comentar a explosão do cinema nos idos até meados dos anos 60 e cita um
punhado de títulos para demonstra-lo (Acossado,
A Aventura, O Desprezo, Antes da
Revolução, Empire) e alguns
poucos realizadores, como é o caso do também grego-americano John Cassavetes.
Far Hills Pictures. 60 minutos.
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