Filme do Dia: O Herói (1966), Satyajit Ray
O Herói (Nayak, Índia,
1966). Direção e Rot. Original: Satyajit Ray, a partir de argumento dele
próprio. Fotografia: Subrata Mitra. Música: Satyajit Ray. Montagem: Dulal Dutta
& Satyajit Ray. Dir. de arte: Bansi Chandragrupta. Com: Uttam Kumar,
Sharmila Tagore, Bireswar Sen, Somen Bose, Nirmal Gosh, Premangshu Bose, Sumita
Sanyal, Bharati Devi.
Arindam Mukherjee (Kumar) é um famoso ator de
matinês que viaja para Nova Delhi para receber um prêmio. Os jornais haviam
estampado seu envolvimento em uma briga e sua presença no comboio desperta a
atenção de muitos. Aditi (Tagore), jornalista da província, inicia uma longa
conversa com ele, com pretensões de publica-la. Arindam afirma que ela não pode
revelar tudo o que ele lhe disse, pois ele teme o mercado e a reação de seus
fãs. Suas reminiscências vão desdo o primeiro dia em que entrou em um set, e foi hostilizado pelo então ídolo
que parece ter percebido a ameaça que ele representava, até o momento em que
não concorda com seu amigo, de longa data, preso e desaparecido a meia década,
em fazer um pronunciamento de solidariedade à greve que estão engajados. Quando
o trem chega a seu destino, Arindam é saudado por seus entusiastas, enquanto
Aditi, que havia rasgado tudo o que havia escrito a respeito de suas longas
conversações, segue o seu caminho.
Distante do estilo mais lírico que o celebrizou
com a Trilogia de Apu, Ray, no
entanto, parece conservar o mesmo interesse pelas condições materiais de vida,
voltando-se aqui para observar um universo que deve ter conhecido de perto, dos
astros de cinema. Já de início se observa sua postura a não poupar nem a mesquinhez
da tradição, representada pela rabugice do velho que o ator encontra no trem
nem uma mendacidade generalizada, em que o dinheiro se torna a preocupação
central de todos, interferindo visceralmente, inclusive, em suas relações
afetivas mais próximas – Arindam transforma o próprio irmão em seu assistente.
Ou surge na fala franca de Arindam de que não poderá responder honestamente as
questões que lhe faz Aditi, senão
perderá o seu mercado. Derrapa ocasionalmente na ausência de sutileza, como no
caso do pesadelo vivenciado pelo herói no qual dinheiro, oportunidades de
trabalho e morte se confundem, ou ainda quando apresenta a polaridade entre o
amigo obstinadamente engajado em sua luta social e um Arindam preocupado em
manter sua carreira. Embora, por sua vez, ganhe quando abdica de fazer qualquer
julgamento moral sobre qualquer uma das personagem. Também consegue se sair bem
em termos da compressão temporal de sua narrativa – sendo o segundo filme a ser
roteirizado pelo realizador – algo que trabalhara de forma ainda mais
radicalizada em Kanchenjungha (1962).
E, como é comum em narrativas temporalmente comprimidas, usa e abusa dos flashbacks, e representações oníricas,
que proporcionam uma mudança de ambiente e temporalidade sem, em última
instância, evadir-se do trem onde ocorre a história. As interpretações do elenco, no geral não
mais que medianas quando muito, talvez com a exceção de Kumar como
protagonista, se não chegam a comprometer o filme tampouco o auxiliam, em
padrões próximos do cinema brasileiro da década anterior. O cinema
norte-americano surge como “a referência”,
seja no diálogo em que é contraposto positivamente ao cinema indiano,
seja quando é o limite para se pensar se todos os atores são como marionetes,
inclusive Brando, Bogart ou Paul Muni. Seu final, distante de qualquer
sentimentalismo, consegue reproduzir de forma muito aproximada, viagens em que
houve uma intimidade intensa e profunda com pessoas estranhas, sendo que
posteriormente cada um segue com sua vida, algo intocado por esse momento
vivido. O papel de Arindam foi escrito particularmente para Kumar, sendo que
Ray desistiria do projeto caso ele não o aceitasse e, evidentemente, não deixou
de tirar partido da persona cinematográfica do próprio ator, já bastante
popular então no país, assim como de seu envolvimento com o álcool. R.D.Banshal & Co. 115 minutos.
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