Filme do Dia: O Homem de Mármore (1977), Andrzej Wajda
O Homem de Mármore (Czlowiek z
Marmuru, Polônia, 1977). Direção: Andrzej Wajda. Rot. Original: Aleksander
Scibor-Rylski. Fotografia: Edward Klosinski. Música: Andrzej Korzynski.
Montagem: Halina Prugar-Ketling. Dir. de arte: Wojciech Majda & Allan
Starski. Cenografia: Maira Osiecka-Kuminek. Figurinos: Lidia Rzeszewska. Com:
Jerzy Radziwilowicz, Krystyna Janda, Tadeusz Lomnicki, Jacek Lomnicki, Michal
Tarkowski, Piotr Cieslak, Wieslaw Wójcik, Krystyna Zachwatowicz.
A documentarista Agnieszka (Janda) se encontra
disposta a realizar um filme sobre um tema nada amistoso no momento em questão:
investigar a trajetória e o misterioso desaparecimento do ex-líder e figura
emblemática do operariado Mateusz Birkut (Radziwilowicz), protagonista de um
desafio sobre a produtividade na quantidade de tijolos e que participa de uma
tentativa de recorde de assentar 28 mil tijolos em um único dia. Após a súbita
fama, Mateusz passa a se desentender com as autoridades, depois do
desaparecimento repentino de seu parceiro profissional. Agnieszka vai coletando
essas informações a partir de gente que conviveu com Mateusz na intimidade,
assim como realizadores que o filmaram e material de arquivo. Avançando em suas
pesquisas, ela consegue encontrar a ex-mulher dele, mas seu produtor confisca
sua câmera e o material que filmou até então.
Tal como um dos grandes sucessos da carreira do
realizador (Cinzas e Diamantes, de
1958), o filme tem como matriz fundamental Cidadão Kane. Se no filme anterior essa influência se traduzia visualmente,
aqui - numa investida muito mais próxima
do realismo – desloca-se para a própria estrutura narrativa, de caráter
investigativo, sendo que o cinema, naquele evocado sobretudo a partir de um
curta-metragem observado ao início, torna-se um eixo indispensável sobre vários
aspectos. Além da protagonista ser realizadora e boa parte da história-moldura
transcorrer em cenas na qual assiste ao material de arquivo, em que engenhosamente
se faz um cruzamento criativo desse a partir da inflexão dada pelas imagens
ficcionais (num deles, observamos o nome de Wajda como assistente de direção),
o cineasta recém-premiado em Veneza que ela aborda é um evidente alter-ego
auto-irônico de Wajda, que inclusive utiliza o próprio troféu e o estilo de
filmagem tende a variar de uma nervosa câmera na mão que simula improvisação em
relação à sede investigativa de sua protagonista, seguindo a tradição liberal
também bastante demarcada pelo cinema clássico americano. E, para além do filme
em si, os espelhamentos persistem, com o cancelamento de sua produção anunciado
próximo ao final se refletindo na proibição do próprio filme de Wajda quando de
seu lançamento. Tal proibição evidentemente se encontra vinculada ao fato que
sua aproximação do universo do cinema não se dá somente enquanto celebratório
do mesmo – tal como Noite Americana
de Truffaut - mas observando sua imersão igualmente no universo do establishment
de então, sobretudo no momento em que percebemos o direcionamento e toda a
“maquiagem” envolvida na filmagem do evento que tornará Mateusz uma celebridade
nacional. Ou seja, o cinema não apenas compactuou com as mentiras do regime
como erigiu muitas delas, ainda que por vezes tenha colhido o reverso do
esperado, como é o caso de Mateusz. Mesmo que a utilização do material de
arquivo não tenha o pique da criatividade de um Inocência Desprotegida (1968), de Makavejev, também revisando os
anos de chumbo do comunismo, e o filme não poupe em metragem na extensão do
desenrolar de sua história, tem-se de longe um retrato mais vívido e menos
empolado que filmes da fase inicial do realizador, tais como o próprio Cinzas e Diamantes e uma complexidade
na interação entre sua reflexividade e a política digna de algumas das obras
mais engenhosas da década, tais como O Caso Mattei (1972), de Rosi. O título se refere a estátua que é feita a
partir de Mateusz, numa clara alusão a estética realista socialista e seu horror
à arte moderna, observados numa interessante sequencia em um museu ao início. A
referência ao filme de Welles se encontra não apenas em sua estrutura
narrativa, mas mesmo em motivos comuns como a visita ao espaço institucional
(aqui o museu, lá a biblioteca) ou a figura decadente da ex-mulher. Teria como
continuidade O Homem de Ferro, de
dois anos após. Prêmio FIPRESCI em Cannes. Film Polski Film Agency/Zespól
Filmowy X. 165 minutos.
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