Filme do Dia: Orfeu (1950), Jean Cocteau
Orfeu (Orphée, França, 1950). Direção e Rot. Original:
Jean Cocteau. Fotografia: Nicolas Hayer. Música: Georges Auric. Montagem: Jacqueline Sadoul. Dir. de arte: Jean d' Eaubonne. Figurinos: Marcel Escoffier. Com: Jean Marais, François Périer,
Maria Casarès, Marie Déa, Edouard Dermithe, Henri Crémieux, Juliette Gréco,
Roger Blin.
Orfeu (Marais) é um poeta reverenciado
que desperta paixões intensas, tanto de seus admiradores quanto de seus
detratores. Em meio a uma briga generalizada que ocorre em um bar freqüentado
por artistas de vanguarda, ele se sente atraído por uma senhora (Casàres) que
leva um jovem poeta de 18 anos, Cegeste (Dermithe), atropelado, em seu carro,
que o chama. Dentro do carro, ele não consegue que ela responda nada sobre o
que acontece e constata que o jovem se encontra morto. O que ele não sabe é que
tal mulher é, na verdade, a Morte, que conta com dois asseclas seus, Heurtebise
(Périer) e o recém-falecido Cegeste. A Morte, apaixonada por Orfeu, leva-o a sua
esposa Eurydice (Déa), pelas mãos do apaixonado Heurtebise, enquanto Orfeu se
mantém mesmerizado em seu carro, pelas transmissões do Outro Mundo. Sua esposa
retorna, com a condição de que nunca mais volte a encará-la, o que inevitavelmente
ocorre. Orfeu é guiado através dos espelhos para um encontro com sua própria
Morte. Porém no Outro Mundo, povoado por mortos-vivos, a Morte é condenada por
ter trazido Orfeu por mero capricho e, a contragosto faz com que ele e a esposa
retornem ao mundo dos vivos.
Uma das mais bem
realizadas incursões ao mundo dos mitos já realizadas pelo cinema, o filme de
Cocteau, ainda mais que A Bela e a Fera
(1946), de pesada cenografia, traduz com uma sutileza ímpar, um universo de
fantasia construído a partir da lógica da austeridade dos recursos empregados –
sejam os belos efeitos ópticos como o da projeção reversa, câmera lenta, back
shot etc. ou a não menos austera cenografia. Não menos notável é o sofisticado
enquadramento e a utilização do tema clássico de Glück, assim como a utilização
vanguardista mesclando elementos míticos e atemporais com recursos tecnológicos
contemporâneos – notadamente as transmissões do além que Orfeu escuta no rádio
do carro e as motocicletas utilizadas pelos anjos da morte (tendência que
exerceria forte influência no trabalho do cineasta britânico Derek Jarman
décadas após, em filmes como Eduardo II).
A própria representação da morte, que auto-analisa sua encarnação sobre uma
figura charmosa e atraente como uma forma de driblar aqueles que já a conhecem
das representações tradicionais, é um destaque à parte, com uma iluminação
especial que faz com que um halo de luz circunde seus olhos (efeito
posteriormente utilizado numa encarnação pasteurizada e satírica do macabro em A Família Addams). As incursões de Orfeu
para o mundo do além são representadas por um extenso corredor que representa a
fronteira entre a vida e a morte e uma imagem que sobrepõe Heurtbise a uma outra imagem em back shot de Orfeu e que são provas do talento ímpar de Cocteau para a construção de imagens oníricas, apesar de aqui preferencialmente sejam
priorizadas imagens realistas, o que paradoxalmente apenas acentua o caráter
fantástico, tal e qual em Nosferatu
(1922) de Murnau. Já a sensação de cotidiano subitamente invadido por elementos
metafísicos pode ter servido de influência para Tarkovski. A superioridade do
trabalho de Cocteau sobre a média do que era feita então na França pode ser
vislumbrada a partir da comparação com outro filme de tema fantástico,
realizado na mesma década, Os Visitantes
da Noite (1942), de Carné. No prólogo, a narração – do próprio cineasta –
justifica a adaptação do drama grego para a França contemporânea. Refilmado na
década de 80 por Jacques Demy. O cineasta também realizaria ainda O Testamento de Orfeu (1960), seu
último filme. Andre Paulve/ Films du
Palais Royal 112 minutos
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