Filme do Dia: O Ato de Matar (2012), Joshua Oppenheimer & Christine Cynn
O
Ato de Matar (The Act of Killing,
Dinamarca/Noruega/Reino Unido, 2012). Direção: Joshua Oppenheimer, Anônimo
& Christine Cynn. Fotografia: Anônimo, Carlos Arango de Montis & Lars
Skree. Música: Karsten
Fundal. Montagem: Nils Pagh Andersen, Erik Andersson, Charlotte Munch Bengtsen,
Janus Billeskov Jansen, Ariadna Fatjó-Villas & Mariko Montpetit.
Esse
documentário consegue compor um painel extraordinariamente bizarro ao
acompanhar ex-assassinos de milícias que atuaram fortemente no norte da
Indonésia em meados dos anos 60, com apoio oficial. O documentário se propõe a
uma reencenação dos atos dos membros do esquadrão da morte, a partir de
insights visuais oferecidos pelos próprios membros dos mesmos. O
resultado, um tanto incomum, é um universo no qual as mais desvairadas
fantasias – fotografadas e enquadradas de forma magistral que pouco evocam o
universo do documentário – como a de um número musical próximo a uma cachoeira
que evoca um momento de redenção associado as cerca de mil pessoas que um dos
assassinos matou se encontrariam entrando no céu são encenadas, em meio a
outras reconstituições de cunho mais “realista”; ainda que mesmo
nessas as situações são observadas sob a ótica do excesso, uma forma de
absurdamente lidar com uma situação em si própria absurda e limítrofe, que é as
situações nas quais grupos inteiros de homens, mulheres e crianças foram
massacrados. Curiosamente, a reencenação ficcional começa a fazer com que a
barreira inicial com que alguns dos líderes das chacinas se protegiam a si
próprios emocionalmente de revisitarem de forma mais direta esse passado brutal
emerja. Num caso, especificamente, observa-se de forma explícita tal colisão,
quando o próprio miliciano ouve da boca do realizador que o sofrimento que ele
passara ao encenar algumas situações não apenas se equivalia ao dos vitimados
como o daqueles fora de longe muito pior, já que não apenas uma encenação.
Revisitando posteriormente um dos locais das suas vítimas, ele se torna vítima
de acessos de vômito. Paradoxalmente, o filme tampouco deixa de transformar em
figuras carismáticas os “atores”, um dia sanguinários assassinos, buscando se
aproximar sobretudo daqueles que apresentam um potencial que se sobrepõe somente
ao sexismo ou ao exibicionismo dos bens materiais acumulados na empreitada. No
plano sócio-político mais amplo, é assustador se observar as demonstrações
oficiais de regozijo pela morte de mais de um milhão e meio de pessoas
opositoras, genericamente rotuladas como “comunistas”. O documentário se abstém
de apresentar mais que alguns comentários de contextualização ocasionais além
das legendas iniciais explicativas. Contundente e sobretudo desconcertante pela
sua mudança de registros, do mais implacavelmente dramático ao escapismo
mirabolante e histriônico. Por mais que as atividades radicalmente bárbaras dos
“gangsters” ou homens livres, como se autodenominam se encontrem associadas ao
passado, o filme acompanha a trajetória dos mesmos numa atitude aparentemente
de mera emulação, mas que de fato é efetivamente de extorsão de comerciários
como no passado. E a tensão estampada nos rostos dos mesmos é bastante
evidente. Essa é a versão do diretor,
existindo outra com 115 minutos. Boa parte da ficha técnica é repleta de "anônimos", pois se trata de membros da equipe - inclusive um crédito de direção - que temem represálias por terem participado dessa produção. Final Cut for Real/Novaya Zemlya/Piraya Film
A/S para Final Cut for Real. 159 minutos.
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