Morre aos 65 anos a cineasta belga Chantal Akerman

A cineasta belga Chantal Akerman, nascida em Bruxelas em 1950, decidiu terminar com sua vida na segunda-feira em Paris. Essa pioneira do cinema experimental, frequentemente interessada em descrever a alienação feminina, se suicidou na capital francesa, onde morava, encerrando uma longa trajetória que a transformou em uma das principais figuras do cinema autoral no continente europeu.
Seu cinema muitas vezes tomou a forma de uma série de intermináveis planos sequência, tão áridos como a própria vida, com os quais descreveu a condição da mulher e o trauma ligado à identidade judaica, rompendo com noções inerentes à linguagem cinematográfica como a narração linear e a elipse temporal. Em seu primeiro curta-metragem, Saute Ma Ville (1968), filmado quando tinha somente 17 anos, Akerman já dava mostras de seu estilo. A protagonista, fechada em sua cozinha, terminava explodindo sua casa e toda a cidade, ao colocar a cabeça no forno e acender um fósforo. O mundo doméstico voltaria a oprimir a protagonista da sua estreia em um longa-metragem, Jeanne Dielman (1975), uma viúva que descascava batatas em sua cozinha e exercia outras tarefas domésticas, antes de receber clientes com os quais se prostituía para conseguir criar seu filho.
Para muitos, esse celebrado manifesto feminista, pedra fundamental de um cinema interessado em experimentar com o tempo real, foi a autêntica obra-prima de uma filmografia heterogênea, formada por mais de 40 filmes, dentre os quais se encontram Je, tu, il, elle (1976), News From Home (1976), Os Encontros de Anna (1979), Nuit Et Jour (1991). Na lista encontram-se experimentos cinematográficos, mas também uma comédia romântica de espírito comercial – Um Divã em Nova York, filmado em 1996 com Juliette Binoche –, que mostrava uma certa decadência. Nos últimos anos, nenhum de seus filmes conseguiu despertar entusiasmo, nem A Loucura de Almayer (2011), fracassada adaptação de Joseph Conrad, como seu último filme, No Home Movie, um retrato de sua mãe, Natalia, nos dias anteriores a sua morte em 2014, que foi vaiado no último Festival de Locarno.A progenitora, uma judia polonesa que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz, foi um os personagens centrais de sua filmografia, povoada pela ansiedade e a neurose derivadas dasobrevivência e o posterior exílio. “Minha mãe, que conhecia desgraças, me contava que você não enxerga a vinda das grandes crises porque elas crescem pouco a pouco, até que um dia você percebe que devoraram sua vida. Como artista é preciso estar atento e seguir em frente”, explicou ao EL PAÍS em 2014. “Foi assim que a humanidade sobreviveu, não? Eu, pelo menos, sou uma pessimista muito otimista”.

A proposta estética de Akerman surgiu, segundo suas próprias palavras, ao descobrir o cinema de Jean-Luc Godard na adolescência. Também se inspirou nos grandes nomes do cinema de vanguarda, como Michael Snow, Stan Brakhage e Jonas Mekas, com os quais conviveu em Nova York nos anos setenta. “Não sei se diria que influenciamos, mas acredito que o cinema que descobriu naquele momento, o meu e o dos demais [diretores experimentais], talvez a tenha ajudado a desenvolver um interesse que já tinha pela vida real e por sua própria vida”, explicou Mekas na tarde de terça-feira ao jornal Libération ao ficar sabendo de sua morte. Idolatrada nos Estados Unidos, onde viveu durante muitos anos e deu aulas de cinema em Harvard e no City College de Nova York, Akerman influenciou cineastas como Gus Van Sant e Todd Haynes. Além disso, deixou marcas em muitos outros, como Michael Haneke, Sally Porter, Tsai Ming-Liang e Avi Mograbi.

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