Filme do Dia: Memórias do Subdesenvolvimento (1968), Tomás Gutiérrez Aléa
Memórias
do Subdesenvolvimento (Memorias del
Subdesarollo, Cuba, 1968). Direção: Tomás Gutiérrez Aléa. Rot. Adaptado:
Tomás Gutiérrez Aléa, baseado no romance Edmundo Desnoes. Fotografia: Ramón F.
Suárez. Montagem: Nelson Rodríguez. Dir. de arte: Julio Matilla. Figurinos:
Elba Pérez. Com: Sergio Corrieri, Daisy Granados, Eslinda Nuñez, Omar Valdés,
Renée de la Cruz, Yolanda Farr, Ofelia González, Jose Gil Abad.
Havana, 1962. Sergio Carmona (Corrieri) decide permanecer em
Cuba, enquanto todos os seus familiares e sua esposa partem para os Estados Unidos.
Aos 38 anos, escritor frustrado, vive dos aluguéis da família. Envolve-se com a
jovem de classe média baixa de 16 anos, Elena (Granados) que, rejeitada por
ele, acaba-o acusando de estupro. Enquanto isso, vive-se em cuba a tensão da
crise dos mísseis e da invasão da Baía dos Porcos.
Talvez o mais interessante desse filme seja a – ainda que
involuntária – ambiguidade com que descreve toda a sua narrativa. Com um
protagonista que aposta em permanecer em Cuba menos por vínculos diretos ou
ideológicos com o regime e mais por “curiosidade desinteressada” e por nojo do
estilo burguês de vida que levou até então, ainda que tampouco se engaje em
qualquer medida na nova situação político-social que se estabelece. O retrato
de um “fracassado” Sergio, que não conseguiu engrenar sua carreira literária e
tampouco decidir sobre sua vida, com idade já tão avançada, bem poderia ser
motivo para uma representação caricata de uma burguesia alienada e sem rumo
após a subida de Castro ao poder (como parece ter sido o foco de uma nova
adaptação do romance de Desnoes, intitulada sintomaticamente Memórias do Desenvolvimento, de 2007, em
que o protagonista decide partir apenas para se desencantar com o mundo dito
“desenvolvido”). Porém, o filme traça com extrema simpatia e autêntica
pungência a personalidade de Sergio, suas memórias, a lembrança do único amor e
apoio que realmente teve – Hanna, o casamento enquanto pouco mais que mera
formalidade e convenção social com outra mulher, os amigos apenas interessados
em valores que ele não mais acredita seus. O mais interessante é que, ao
contrário de uma produção cubana crescentemente engajada com o passar dos anos,
o filme rompe com qualquer esquematismo em sua descrição das relações entre
classes na nova Cuba. A jovem de classe popular e, principalmente sua família,
são descritos, ao final das contas, enquanto grandemente oportunistas, a
justiça absolve Sergio e, apesar de sofrer um inquérito sobre seus bens
materiais e sua fonte de renda, até o final ele continua mantendo o seu estilo
de vida e seu apartamento sofisticado com vista para o mar. E, em seu final,
tampouco apresenta qualquer “solução” para o impasse vivenciado pelo
protagonista. Menos interessante quando resvala para um didatismo documental a
partir de fotos fixas e imagens documentais do que quando envereda por uma
arqueologia poética do passado do protagonista que, apesar de sua simpatia pelo
novo regime, tampouco deixa de lado seu gosto “elitizado” ou passa a ter uma
visão melhor do “povo” – visto como ele, de modo bastante conservador, como
expressão de um atraso quase congênito. Assim, muito do desprezo crescente que
Sergio nutre por Elena advém do fato dele perceber, com o passar do tempo, que
a sofisticação que imaginara encontrar nela, nada mais era do que imaturidade e
dispersão, e que ela não demonstra o menor interesse por seus refinamentos
culturais, numa evidente metáfora para a relação problemática do protagonista
com a cultura anti-burguesa e populista crescentemente vigente, também no plano
cultural – ainda que o filme não aponte caricatamente para tal, ao contrário de
A Morte de um Burocrata. Fica a
dúvida se o protagonista seria a expressão do alter-ego do realizador em toda
sua extensão ideológica, o que parece afirmativo – a certo momento ele aprecia
Marilyn Monroe na TV, um dos ícones cinematográficos que seu filme anterior é
dedicado. Seu tom, de um memorialismo
desencantado, atrelado a uma mudança político-social abrupta pode ser passível
de estabelecer paralelos com filmes como Antes
da Revolução (1964), de Bertolucci e O Desafio (1965), de Paulo César Saraceni, também com protagonistas em
crises existenciais diante da situação política de seus países e de seus
círculos sociais. Por outro lado, afasta-se das comédias auto-indulgentes e de
pobres alusões metafóricas como A Mortede um Burocrata (1966) e Guantanamera
(1995). Como em sua produção anterior, faz uso em diversos momentos de cacoetes
estilísticos então comuns em um cinema de proposta mais autoral, como a
exibição repetida de um mesmo plano. Aléa surge em uma ponta como o diretor a
quem Sergio encaminha Elena para um teste. ICAIC. 97 minutos.
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