A despedida de David Letterman

Tradução: Fernanda Lizardo, edição de Leticia Nunes. Com informações de Bill Carter [“David Letterman: the late night prankster who became a comedy godfather”, The Guardian, 15/5/15]; de Allison Corneau [“David Letterman's Final Late Show Guests Announced: Tom Hanks, Eddie Vedder, Bill Murray”, US Magazine, 14/5/15]; de Jason Gay [“Letterman, the Last American Broadcaster”, The Wall Street Journal, 14/5/15]

David Letterman apresentou o Late Show, na rede americana CBS, por 22 anos e 6.028 edições. Esta semana ele se despede do programa de entrevistas e será substituído porStephen Colbert. A aposentadoria do veterano apresentador, anunciada no ano passado, provocou grande comoção dos EUA.
É impossível ignorar a marca humorística deixada por Letterman na TV americana, defende o jornalista Jason Gay em artigo noWall Street Journal. “Letterman e sua equipe (incluindo o influente produtor Merrill Markoe) construíram um talk show livre da fidelidade e esperteza do showbiz. Dave amava expor pequenos truques, segredos e personagens ocultos da TV; ele foi responsável por transformar assistentes de produção, diretores de cena e contrarregras em pequenas estrelas. A Nova York de Letterman não era um mito retocado, mas a realidade concreta dos mercados desorganizados de esquina e das farturas de clubes de strip-tease”, escreve.
Gay comenta sobre o episódio em que Letterman se indispôs com a NBC. Em 1993, cogitava-se um substituto para Johnny Carson, que iria se aposentar do Tonight Show. Letterman era um nome forte (e grande admirador de Carson), mas acabou sendo preterido em favor de Jay Leno. O apresentador nunca escondeu o incômodo pela escolha de Leno – e, ao longo dos anos, os dois souberam alimentar uma saudável rivalidade.
À época, Letterman aproveitou o movimento para se reformular; seguiu, assim, para a CBS. Gay classifica a transformação de Letterman como “serena, porém perceptível, para uma versão mais humana, aberta e ampla de si mesmo”. Ele atribuiu tal fato não apenas à mudança de horário no ar, mas também a uma cirurgia cardíaca pela qual o apresentador passou em 2000 – quando voltou à TV, depois de um mês de licença, Letterman começou o programa entrevistando os médicos que cuidaram dele.
Em um de seus momentos mais crus, o apresentador se expôs totalmente no ar. Em 2009, um dos produtores de seu programa, Joe Halderman, descobriu que Letterman – que era casado – tinha um caso com sua assistente pessoal, Stephanie Birkitt, e começou a chantageá-lo, pedindo dois milhões de dólares para não revelar a situação. O apresentador optou então por admitir o caso extraconjugal ao vivo em seu programa.
Halderman acabou indiciado por extorsão e foi condenado a seis meses de prisão e à prestação de serviços comunitários. Embora após o episódio Letterman tenha sido execrado pela imprensa e acusado de se aproveitar de sua posição para “assediar” subalternas, ele acabou ganhando um respeito inesperado por sua honestidade inflexível e por se impor ante o chantagista.
Altos e baixos
Bill Carter, do Guardian, também comentou o impacto da aposentadoria de Letterman (embora não tenha deixado de mencionar as adversidades da carreira do apresentador). Carter citou a famosa rivalidade Letterman x Leno e a apresentação de Letterman no Oscar de 1994 – imensamente criticada à época. Também mencionou o conflito com a republicana Sarah Palin, ex-governadora do Alasca e ex-candidata ao posto de vice-presidente dos EUA. O apresentador a elegeu como alvo de muitas de suas piadas, sendo obrigado a se desculpar publicamente por algumas delas.
Mesmo expondo os pontos baixos da carreira do apresentador do Late Show, Carter não deixou de reconhecer a capacidade de Letterman de encontrar o humor (o que se tornou sua marca registrada), bem como de conduzir entrevistas inteligentes.
Um episódio marcante ocorreu em 2008, quando o à época senador e candidato à presidência americana John McCain estava com uma aparição agendada no programa de Letterman. Pouco antes da gravação com McCain, porém, a economia americana entrou numa situação repentina de colapso iminente, o que fez o entrevistado cancelar tudo e avisar que iria para Washington. Naquela mesma noite, Letterman abriu o programa explicando detalhadamente o motivo do cancelamento da entrevista com McCain. Ele passou metade do programa falando sobre o assunto, usando sempre de sua ironia fina e bom humor. Seu bom desempenho rendeu uma compensação: durante o noticiário da CBS daquela noite, McCain retornou aos estúdios, disponibilizando-se para ser entrevistado pela âncora da emissora, Katie Couric.
Sabe-se que a sagacidade de Letterman foi responsável pelo retorno do então senador à emissora; McCain teria se sentido na obrigação de oferecer uma exclusiva para conseguir o “perdão” do apresentador.
Letterman também foi bastante elogiado, tanto no artigo de Jason Gay quando no de Bill Carter, por sua primeira aparição após os atentados de 11 de setembro de 2001. Nos dias subsequentes à tragédia, obviamente ninguém no mundo da comédia ousava se aventurar a comentar o caso, afinal ninguém sabia o que dizer (qualquer piada seria inaceitável). A espera pela manifestação de Letterman no meio televisivo foi notória.
No dia 19 de setembro de 2001, Letterman sentou-se atrás de sua mesa e falou, de improviso, durante mais de sete minutos, sobre a terrível tristeza que abatia a cidade de Nova York, sobre a bravura do departamento de polícia e dos bombeiros e sobre a necessidade de a população demonstrar coragem naquele momento. “Não foi um momento de um comediante extraordinário, mas de um comunicador extraordinário”, diz Carter. “Letterman selou sua reputação naquela noite.”
Jimmy Kimmel, que apresenta o programa Jimmy Kimmel Live! na ABC e é concorrente direto de Letterman, optou por não exibir seu programa na noite de despedida do apresentador – segundo ele, para “não distrair os telespectadores e preservar a audiência para Dave”. Kimmel declarou publicamente que nutre grande respeito por Letterman e que vai sentir falta do veterano no ar.
Despedida
De acordo com a CBS, as últimas edições do programa de Letterman contarão com a presença dos atores Tom Hanks (em sua sexagésima aparição no Late Show) e Bill Murray (que já esteve no programa 44 vezes) e do cantor Eddie Vedder, da banda americana Pearl Jam. A emissora tem mantido o formato do programa de despedida, na quarta-feira (20/5), em segredo, mas, em declaração à revista US Weekly, prometeu uma série de surpresas aos telespectadores.

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