Filme do Dia: Amarelo Manga (2002), Cláudio Assis
Amarelo
Manga (Brasil, 2002). Direção: Cláudio Assis. Rot. Original: Hilton Lacerda.
Fotografia: Walter Carvalho. Música: Jorge Du Peixe & Lúcio Maia. Montagem:
Paulo Sacramento. Dir. de arte: Renata Pinheiro. Figurinos: Andréa Monteiro.
Com: Matheus Nachtergaele, Leona Cavalli,
Dira Paes, Chico Diaz, Jonas Bloch, Conceição Camarotti, Cosme Prezado
Soares, Everaldo Pontes, Magdale Alves, Jones Melo.
Em Recife, uma série de personagens se
enredam em teias movidos pela fome de comida e de sexo. Wellington (Diaz), um
açougueiro que se autoproclama assassino, possui uma amante explosiva (Alves),
que não mais suporta ser “a outra” face da bem comportada evangélica Kika
(Paes), que por sua vez suporta tudo menos infidelidade e se incomoda com o
apelido de “canibal”, que escuta das crianças da vizinhança, graças à fama do marido.
No Texas Hotel, mora o necrófilo Isaac (Bloch), que geralmente é servido pelo
funcionário do IML, Rabecão (Pontes), embora
também deseje algumas pessoas vivas, ou mortas somente no espírito como
uma dona de bar, Lígia (Cavalli), que não mais vê sentido na própria
existência. Seu cozinheiro é Dunga (Nachtergaele), gay e que possui desejos
secretos por Wellington. Também mora no hotel um padre decadente (Melo), que
possui como últimos “fiéis” os gatos que alimenta nas escadarias da Igreja hoje
fechada. Decidindo acabar de vez com a relação com Wellington, sua amante avisa
Dunga do intento. Esse manda uma mensagem para Kika, que não só comparece ao
encontro como confirma o apelido ao arrancar a orelha da amante. No caminho de
volta para casa, aceitará uma carona de Isaac, que havia sido escorraçado pela
segunda vez do bar de Lígia e fazendo um amor como nunca ousara fazer com o
marido. Enquanto isso, Wellington chora as mágoas da perda da amante e mulher
ao mesmo tempo nos braços de Dunga, que ainda se encontra sob o impacto da
morte do dono do Hotel, o velho Nicanor.
Bem construído, em termos narrativos, e
com surpreendente senso de ritmo e direção de atores, o primeiro filme de Assis
acaba sendo prejudicado por sua construção que equivale miséria econômica à
miséria moral. Seu estilo “mundo cão” geralmente apenas acentua o caráter
sórdido de seus personagens, aproximando-se, por esse viés, do naturalismo
literário do final do século XIX. Centrado nos instintos básicos da sexualidade
e da alimentação, reunidos em um momento em que uma hóspede se sufoca no almoço
e seu vizinho de mesa, um padre, acaricia-lhe os seios quando tenta livrá-la do
engasgo, mesmo personagem que, em outro momento, proclama que “o ser humano é
estômago e sexo”. Ou ainda quando apresenta cenas documentais de populares se
alimentando em meio ao caos urbano. Seu humor, uma forma de tornar mais
palatável sua ácida visão de mundo, deve-se em grande parte a excelente
interpretação de Nachtergaele, talvez o único personagem de feições
verdadeiramente humanas, embora paradoxalmente seja uma caricatura do
homossexual afetado. Um dos trunfos do filme é desconstruir os personagens
machistas e o temor de sua violência. Enquanto um deles termina por chorar a
perda de suas mulheres justamente nos braços de um homossexual, o outro é
sodomizado pela mulher traída do primeiro. As inserções documentais, próximas
ao final, de populares que posam para as câmeras com a mais absoluta serenidade
e dignidade são um testemunho que apenas acentua ainda mais o tratamento pouco
generoso que o filme dispensa aos seus próprios personagens igualmente
populares. Olhos de Cão. 100 minutos.
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