Filme do Dia: A Conquista da Honra (2006), Clint Eastwood

A Conquista da Honra (Flags of Our Fathers, EUA, 2006). Direção: Clint Eastwood. Rot. Adaptado: William Broyles Jr. & Paul Haggis, a partir do livro de James Bradley & Ron Powers. Fotografia: Tom Stern. Música: Clint Eastwood. Montagem: Joel Cox. Dir. de arte: Jack G. Taylor Jr. Cenografia: Richard C. Goddard. Figurinos: Deborah Hopper. Com: Ryan Phillippe, Jesse Bradford, Adam Beach, John Benjamin Hickey, John Slattery, Barry Pepper, Jamie Bell, Paul Walker, Robert Patrick.
1943. Os americanos atacam a ilha de Iwo Jima. Seis soldados posam para um fotógrafo hasteando uma bandeira americana na ilha. A foto se torna célebre e provoca comoção nacional, sendo estampada nos principais jornais do país. Três dos soldados sobreviventes, Doc Bradley (Phillippe), Rene Gagnon (Bradford) e Ira Hayes (Beach) são recepcionados como heróis ao retornarem aos Estados Unidos. Eles se tornam parte da engrenagem de propaganda americana para vender bônus de guerra, ao mesmo tempo que se sentem – sobretudo Ira – profundamente desajustados ao papel de heróis já que, na verdade, faziam parte de uma segunda guarnição, que sofreu bem menores perdas que a enviada anteriormente, sem falar em todos os traumas associados a mortes de amigos próximo e no fato da foto ser reconstituída posteriormente. Sobre Ira pesa igualmente o fato de sua ascendência indígena.
Compõe, com Cartas de Iwo Jima, do mesmo ano, um díptico que pretende explorar duas perspectivas distintas da batalha – a japonesa e a americana. Em termos estritamente comparativos, o fato de Eastwood deslocar o foco da batalha em si e seus efeitos psicológicos e físicos para segundo plano em detrimento da apropriação desproporcional de um evento pela mídia e sua posterior repercussão ao mesmo tempo o torna capaz de evitar a reprodução do mito do soldado heróico (cuja expressão de grande impacto relativamente recente é O Resgate do Soldado Ryan), mas igualmente se afastar da proposta do outro filme. É certo que ambos pretendem ser reconstruções de memórias a partir de livros que possuíram como importante fonte de pesquisa cartas  ou (como aqui)  fotografias do período. Porém, um aspecto fundamental que tal mudança de foco provoca é que ao contrário do outro filme, aqui não se tem o mínimo ângulo reverso da situação; enquanto em Cartas de Iwo Jima, as relações e até a forma de observar o mundo e o conflito particularmente estão associados com a presença desse outro não tão outro assim, que são os americanos, aqui os japoneses são completamente coadjuvantes, sendo o conflito deslocado para uma relação totalmente centrada somente no imaginário americano. É do descolamento entre a realidade traumática vivida pelos soldados e uma realidade bastante diversa do universo mais próximo do entretenimento que se molda o filme. Como naquele, faz-se uso de elenco relativamente desconhecido e uma fotografia em tons quase em sépia bastante similar. Como naquele a dimensão melodramática também é imperativa e se trata, em última instância, de se heroicizar homens comuns, que por capricho de se encontrarem diante da  lente de um fotógrafo, tornaram-se celebridades de forma tão rápida quanto voltaram a ser esquecidos. Mesmo que o filme não atinga píncaros de um pieguismo emocionalmente manipulativo como àquele, acaba explorando de forma mais homeopática e mesmo aborrecida a sorte trágica de Ira, e o destaque mais amplo desse sofrimento soa como uma mea culpa visando tempos que se pretendem politicamente corretos e que acabam, em certo sentido, por serem tão ou mais hipócritas do que os abordados de forma crítica. Não deixa de ser irônico que a última imagem do filme seja justamente a da famigerada foto que havia sido motivo da glória amargurada do trio, quase como tornando o mito imperativo sobre toda a desconstrução tentada ao longo do filme. Dreamworks SKG/Warner Bros. Pictures/Amblin Ent./Malpaso Productions para Paramount Pictures. 132 minutos.


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