Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#122: Dona Flor e Seus Dois Maridos




 DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS. (Brasil, 1976). Até 2010, quando o blockbuster Tropa de Elite 2 foi lançado, Dona Flor e Seus Dois Maridos, dirigido por Bruno Barreto, foi o filme de maior sucesso comercial brasileiro de todos os tempos. Ele rendeu 5 milhões em suas primeiras cinco semanas de lançamento no Brasil, eventualmente sendo visto por mais de dez milhões de espectadores, e ainda rendendo mais que qualquer outro filme brasileiro nos Estados Unidos (3 milhões). De fato, Dona Flor foi o filme latino-americano mais bem sucedido nas bilheterias estadunidenses até La Historia Oficial (A História Oficial, Argentina, 1985) superá-lo (com 3,5 milhões). Em um ano no qual mais filmes domésticos (87) foram lançados que qualquer outro antes, o sucesso de Dona Flor foi representativo de uma mudança radical da seriedade do Cinema Novo para o entretenimento pornográfico soft. Mais da metade dos filmes produzidos no Brasil em 1976 possuía o sexo como componente central, e ainda que nem todas as obras fossem "cômicas", ficou claro que a pornochanchada havia emergido como o gênero cinematográfico dominante brasileiro. Dona Flor pode ser considerado como o exemplo mais sofisticado deste gênero. 

Bruno Barreto possuía apenas 23 anos quando realizou Dona Flor e Seus Dois Maridos, baseado no romance escrito por Jorge Amado, o mais famoso romancista brasileiro. O cineasta mais experiente Eduardo Coutinho ajudou a escrever o roteiro, que permaneceu próximo ao romance. A estrutura em flashback foi mantida, na qual Dona Flor (Sônia Braga) rememora sobre sua vida anterior com o marido Vadinho (José Wilker) em seu funeral. O filme condensa as memórias de Flor em um dilatado flashback, no qual primeiro descobrimos de suas proezas culinárias e devoção a Vadinho. Tanto o romance quanto o filme iniciam com o carnaval nas ruas de Salvador, capital da Bahia, onde Vadinho morre ao amanhecer, durante uma celebração bacanaliana após uma sucessiva vida de excessos. No flashback de Flor ela emerge como uma simpática e modesta, ainda que apaixonada jovem mulher brasileira. Após um período de luto, Flor é encorajada por sua mãe, Dona Rozilda (Dinorah Brillanti), e sua melhor amiga, Norma a aceitar os avanços de um pretendente em potencial e oposto social de Vadinho, o polido e conservador farmacêutico Dr. Teodoro (Mauro Mendonça). E é imediatamente evidente, na noite de seu casamento que o segundo marido de Flor não possui a destreza sexual do primeiro. Ela começa a consultar praticantes de macumba, sem esperar que seu desejo por Vadinho fosse realizado. Seu fantasma nu aparece diante dela, bastante tangível em sua cama, e ela busca então se livrar dele em uma cerimônia de candomblé. Mas quando sua imagem se dissolve, ela chora. O babalaorixá balança sua cabeça em uma cena de candomblé de corte transversal, gerando um retorno à casa de Flor e a reencarnação de Vadinho. A partir de então Flor sucumbe aos apelos de Vadinho e ele permanece no leito, ao seu lado, invisível a Teodoro, do outro lado. No último plano do filme, vemos os três emergindo da igreja e quando a câmera se movimenta à esquerda em panorâmica, percebemos que Vadinho está completamente nu, ainda que invisível à multidão que o cerca. 

Neste surpreendente plano final podemos apreciar que ainda que Wilker nunca seja visto em nudez completamente frontal, ele é tão objeto sexual quanto Braga, diminuindo um tanto do sexismo de sua fonte original. De fato, a redução em amplitude - das 520 páginas do livro para menos de duas horas de filme, remove uma grande quantidade de misoginia: a prosa de Amado retém e revela em estereótipos, masculinos e também femininos. A feiúra da odiosa Rozilda é vitualmente eliminada do filme, ainda que talvez inadvertidamente. O jeito juvenil de Wilker e sua aparência de Deus grego não conseguem traduzir, de forma convincente para a tela, o malandro esperto e sedutor do romance, Vadinho. Naturalmente, é a presença de Braga no filme que é mais frequentemente discutida como a força motriz comercial do filme, e sua atuação certamente fez dela uma estrela internacional.

texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 

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