Filme do Dia: 20 Dias em Mariupol (2023), Mstyslav Chernov
20 Dias em
Mariupol (20 Days in Mariupol, Ucrânia/EUA, 2023). Direção, Rot.
Original e Fotografia Mstyslav Chernov. Música Jordan Dykstra. Montagem
Michelle Mizner.
O que
ainda pode uma imagem? Esta poderia ser a indagação após se assistir este
documentário, feito no calor dos primeiros dias da invasão russa à Mariupol,
cidade que dista pouco menos de meia centena de quilômetros do território
russo. Não se pode respondê-la categoricamente. Certamente elas nem de longe
possuem o mesmo efeito provocado pelas imagens que fizeram mudar a opinião
pública estadunidense sobre a Guerra do Vietnã após o massacre de My Lai. O
próprio realizador, um jornalista da Associated Press, ao que tudo indica um
dos poucos jornalistas remanescentes na cidade, é um tanto cético ou cauteloso
sobre a fé irradiada por alguns dos que filma, a respeito do mundo
“testemunhar” o horror dos ucranianos civis, com suas vidas (quando não seus
próprios corpos) despedaçados pelas bombas caídas pelo exército invasor de uma
ofensiva que não é denominada enquanto tal como guerra por Vladimir Putin. Há
muito choro, sangue, e câmera tremida, a sair correndo sob o risco de um ataque
iminente. E o documentário vale menos por si mesmo, do que como mediador para
flagrar pessoas e grupos humanos em situação de guerra. A partir de um
pressuposto “apolítico”, menos interessado em compreender o que gerou o
conflito em si que o drama humano dele resultante. Certamente uma opção não
menos política. Até mesmo há a força do documentário deadline na cena
contemporânea (Attica, The Beatles: Get Back), embora não exista
um objetivo definido pelos envolvidos no conflito, como nos outros, a não ser
sobreviver e até o marcador dos dias pareça eventualmente esquecido a
determinado momento. E, embora o humanismo rosselliniano possa vir a ser
invocado nesta opção preferencial pelo registro dos civis em meio ao conflito,
desorientados e perplexos, uma observação sobre a guerra parecer radicalizar o
que há de bom nos bons e o mal nos maus pareceria descabida para o cineasta
italiano (com exceção, talvez, de seu Roma: Cidade Aberta). E esta é uma
observação que não deveria passar despercebida, pois uma das poucas proferidas
neste teor pelo narrador-editor-diretor e fotógrafo do filme. E, mesmo que
existam imagens de muita mais intensa dramaticidade, como dos pais chorando
seus filhos, seja um bebê, alguém de quatro ou 16 anos, a mais rosselliniana
das imagens é a de um homem de meia-idade, andando a várias horas e
quilômetros, para a casa da ex-esposa, pois a sua foi destruída pelo que ele
acredita serem bombas. Imagens como esta dizem muito pois as da dor extrema são
algo intangíveis, melhor seriam se fossem trabalhadas por uma ficção. Também
menos permeadas em se transformarem em propaganda de guerra, numa batalha pelo
“controle da narrativa”, a ser negada pelo diplomata soviético como fake,
ao final do filme, em outra imagem de arquivo, e de exceção no conjunto. Algo
soa cabotino e narcísico por parte do realizador: sua apresentação das imagens
que fez e vimos anteriormente no documentário ganhando redes internacionais de
televisão mundo afora e depois um comentário elogioso a própria Associated
Press, também co-produtora deste documentário ao final. A voz que narra é
sempre a mesma, seu tom sempre com aquele relativo distanciamento emocional,
mesmo quando fala de temas que diz lhe afligirem a alma. Frontline PBS/Associated Press. 95 minutos.
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