Filme do Dia: Terra Bruta (1961), John Ford

 


Terra Bruta (Two Rode Together,EUA, 1961). Direção: John Ford. Rot. Adaptado: Frank Nugent, a partir do romance de Will Cook. Fotografia: Charles Lawton Jr. Música: George Duning. Montagem: Jack Murray. Dir. de arte: Robert Peterson. Cenografia: James Crowe. Com: James Steward, Richard Widmark, Shirley Jones, Linda Cristal, Andy Devine, John McIntire, Paul Birch, Willis Bouchey, Annelle Hayes, Henry Brandon.

O cínico xerife de Tascosa, Guthrie McCabe (Stewart), vive em parte da percentagem de sua amante, dona do saloon local, Belle (Hayes). Ele recebe o inusitado convite de viajar 40 milhas de seu amigo, o tenente Jim Gary (Widmark). Somente quando chega no local é que fica sabendo que é a esperança de várias famílias que querem rever seus amados, todos capturados pelos comanches. Dentre eles, encontra-se a jovem e bela Marty (Jones). Guthrie parte com Jim Gary, mas acaba se tornando refém dos comanches. Eles ficam sabendo que quase todos os que foram sequestrados já se encontram mortos, ou preferem não voltar mais para o mundo dos brancos. Uma exceção é a mexicana Elena (Cristal). Já um jovem é levado por Guthrie por conta da promessa de um homem de negócios de lhe pagar mil dólares por qualquer um que a mulher acredite ser seu filho. Elena sente o preconceito ao ser apresentada a sociedade local em um baile, tendo como parceiro e pretendente Guthrie. Jim reforça os seus laços de interesse com Marty. O jovem que vivera com os comanches desde pequeno é solto por aquela que acredita ser sua mãe e a mata. Marty descobre se tratar de seu próprio irmão quando já é demasiado tarde, sendo ele julgado à revelia e contra o desejo de Jim Gary, enforcado.  Guthrie retorna a sua cidade, descobrindo que um outro homem ocupa seu posto e o coração de Belle, partindo para a Califórnia com sua nova amada.

De longe mais convencional e rotineiro, em termos formais e narrativos, assim como menos ambíguo e complexo que sua obra-prima, Rastros de Ódio, o filme, no entanto, compartilha com seu predecessor, uma preocupação recorrente nos últimos filmes do realizador, associada a questão racial-cultural das relações entre índios e brancos. Destituído do senso épico, inclusive visual, torna-se tornando quase uma involuntária paródia daquele. A relação entre conflituosa e amigável da dupla principal, que justifica o título original, torna-se esmaecida por suas respectivas relações com suas parceiras femininas, algo não muito comum no western. É curioso observar um plano de quase quatro minutos, o mais longo do filme, no qual a dupla desfia, sem pressa, trivialidades, logo ao início. O eventual e inescapável conflito com os índios torna-se grandemente secundário, pois o foco é a questão do choque cultural proporcionado por aqueles que voltaram do mundo dos comanches. Mesmo no caso de Elena, não tendo se aculturado de todo, seu retorno não é fácil – desejando ela, a determinado momento do baile, encontrar-se novamente entre os “selvagens” (cena que antecipa em mais de uma década a de intenção semelhante em O Enigma de Kaspar Hauser). Desde No Tempo das Diligências, Ford já se mostrara crítico do moralismo perverso da sociedade estabelecida do Velho Oeste. E se lá John Wayne se aproxima da figura da ex-prostituta, aqui Stewart abraça aquela que ninguém ousa dançar no baile, por ter sido a esposa do líder comanche, vivido novamente pelo ator que havia vivenciado Scar em Rastros de Ódio, Brandon. Curiosamente, o antídoto contra a ansiedade exagerada dos parentes que esperam o retorno de seus amados, apresentando sem restrições por um bêbado Guthrie para uma sensível Marty, por mais que demonstre uma reserva moral do realizador para com a alteridade, involuntariamente evoca a paranoia de “contaminação” presente nas ficções científicas que metaforizavam em enredos rocambolesco o temor da ameaça comunista – algo que Ford estava longe de compartilhar, ao não ser um delator durante o Macarthismo. Columbia Pictures Corp. 109 minutos.

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